Nesse fortíssimo documentário de Everardo González, a desintegração do estado mexicano e a desumanização das pessoas pela violência ligada ao narcotráfico se fazem mostrar por depoimentos de vítimas e algozes. Todos aparecem com o rosto coberto por uma máscara de tecido, que se vai umedecendo pelas lágrimas e o suor.
As máscaras igualam a todos num ciclo de dor, ódio, arrependimento e desejo de vingança e justiça. As identidades tendem a se confundir no anonimato e na homogeneidade das máscaras, ecoando a incerteza dos mexicanos sobre quem está de que lado. Os depoimentos são cheios de autoconsciência, sofrimento e uma aparente franqueza que atravessa as máscaras. Mesmo os “coadjuvantes” estão mascarados. É um uso impactante do modelo de “cabeças falantes”.
Meninas lembram de como seus pais foram sequestrados para nunca mais serem vistos. Uma mãe procurou pelos quatro filhos desaparecidos até encontrar seus corpos enterrados no deserto. Jovens sicários contam como se sentiam ao fuzilar devedores do tráfico ou mesmo suas famílias, incluindo crianças (ganhavam até 3.000 dólares por um assassinato). Um traficante diz como foi detido e torturado por policiais. Um desertor do exército fala de como se dispunha até a matar inocentes (“Somos especialistas em cumprir ordens”). Um justiceiro paramilitar explica a “necessidade” de seu trabalho quando a justiça oficial não funciona.
A LIBERDADE DO DIABO é um filme altamente dramático, com desenho sonoro muito climático, trilha sonora de tensão gelada e ótima fotografia. É poderoso o efeito obtido pelas máscaras e o olhar e a voz densos dos depoentes. No final, um silêncio ensurdecedor ocupa o lugar das falas. É quando a mãe de quatro mortos retira a máscara e revela seu rosto, o único a aparecer em todo o filme.
Atualização: este filme venceu o Prêmio Fênix de melhor documentário iberoamericano em 2017.
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