Sobre A NATUREZA DO TEMPO e A NOIVA DO DESERTO
A mania de apontar interligações em filmes multiplot dá uma pista falsa para A NATUREZA DO TEMPO. As três histórias (com uma quarta que apenas se inicia na última sequência) são rigorosamente independentes, apesar dos links fortuitos que levam de uma a outra. Esta é somente uma das muitas e grandes qualidades desse primeiro longa do argelino Karim Moussaoui.
Temos um homem maduro às voltas com o filho, a ex- e a atual mulher; uma jovem noiva que se vê sozinha com um ex-namorado; e um neurologista se confrontando com uma vítima de estupro coletivo por terroristas. Em cada um desses blocos, o passado ecoa no presente de maneira decisiva e em gravidade crescente. Romper ou conviver com o passado parece ser uma questão simbólica para a Argélia atual. O título original, “En Attendant les Hirondelles” (“À Espera das Andorinhas”), remete à expectativa de um tempo melhor.
Nada impede, porém, que o filme seja fruído à revelia dessas significações alegóricas. Trata-se de um roteiro sofisticado e imprevisível, que leva o espectador a tatear o sentido das ações e o perfil apenas rascunhado dos personagens. Ainda assim, cada história é capaz de nos enredar sutilmente, sem dramatização nem esclarecimentos convencionais. Somos convidados ao prazer de uma aventura de descoberta e logo também de abandono.
Um road movie trifurcado, cujo percurso nos carrega por distintos cenários da Argélia: cidades, deserto, montanhas, favela. Um sóbrio e finíssimo trabalho de escrita e direção, que atesta a maturidade desse cineasta de 42 anos. O elenco é um espetáculo à parte em matéria de sutileza, economia de recursos e precisão sugestiva. Some-se a isso a excelência da fotografia e um uso surpreendente da música – com uma sequência particularmente arrebatadora de canto e dança.
A NATUREZA DO TEMPO foi uma das melhores surpresas que já tive no cinema este ano.
O argentino-chileno A NOIVA DO DESERTO é mais um road movie dos sentimentos. Sugere um cruzamento de “Central do Brasil” com o episódio dirigido pelo mesmo Walter Salles em “Paris, Eu te Amo“. Mas sem uma parcela sequer do viço e da força daqueles. Uma empregada doméstica, há 20 anos dedicada ao filho da patroa, perde o emprego e viaja para um serviço no interior. No caminho, esquece uma bolsa e, para recuperá-la, envolve-se com um comerciante e seu trailer.
O título brasileiro é impreciso, já que “novia” em espanhol é namorada. Mas isso não importa, já que tudo no filme é mesmo bastante impreciso, tal como as imagens que frequentemente se desfocam no fundo do plano. A atriz Paulina Garcia (a Fernanda Montenegro do Chile, brilhante em “Glória”) aqui não tem material sobre o qual criar sua personagem. Ela tenta em vão lançar alguma luz naquela mulher apática através de estradas, paragens e um santuário onde se comercializa o mito religioso de “La Difunta”.
A bolsa esquecida funciona como um Macguffin, pretexto para fazer a trama mais importante avançar. O problema é a inexistência da tal trama principal. Os flashbacks tampouco ajudam a injetar vida numa personagem pálida e opaca, cuja provisória sensibilização durante o trajeto não escapa ao clichê romântico. Resulta uma história mínima, tanto em duração quanto em interesse.
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