O DIABO NA ENCRUZILHADA
por Paulo Lima
Uma das lendas mais persistentes da história do blues, e de resto de toda a música negra americana, trata da transformação musical sofrida por Robert Johnson.
Reza essa lenda que Johnson era um violonista sem qualquer expressão, quando sumiu do mapa por um ano. Ao retornar, tinha atingido um nível técnico tão elevado que hoje é considerado o maior de todos os músicos que se dedicaram ao blues.
A conclusão a que todos chegaram é que o blueseiro teria vendido a alma ao diabo numa encruzilhada.
A mística de Robert Johnson como um Dr. Fausto redivivo acabou se tornando uma maneira de identificar todo e qualquer músico que tenha conquistado expertise artística em tempo curto, quando nada indicava que chegaria lá.
O documentário O DIABO NA ENCRUZILHADA, que acaba de sair na Netflix, revisita a história de Robert Johnson. Seu diretor, Brian Oakes, explora o mito da encruzilhada, indissociável da imagem de Johnson, oferecendo, porém, uma detalhada perspectiva biográfica e técnico-musical do mais misterioso e genial dos músicos de blues.
Oakes mostra a infância difícil de Johnson, nascido em 1911 na pequenina Hazlehurst, nos confins do Missouri, estado que, segundo afirmam alguns dos entrevistados do filme, era o pior lugar dos Estados Unidos para um negro viver àquela época pré-direitos civis.
Levando uma vida errante, movido por sua paixão pela música e por dois de seus maiores vícios – uísque e mulheres -, ele terminou assassinado num episódio até hoje coberto por versões nebulosas. Tinha 27 anos e, pode-se dizer, foi o primeiro membro notório do Clube dos 27, integrado por Janis Joplin, Jimmy Hendrix e outras figuras lendárias mortas prematuramente no auge da fama.
Músicos pertencentes à constelação do rock, como Keith Richards e Eric Clapton, aparecem no filme endeusando Robert Johnson e situando-o como fonte original do que vieram a realizar como guitarristas.
O filme apresenta alguns achados, como imagens raras de arquivo de um depoimento do filho da lenda, bem como uma aparição de seu neto, hoje músico como o avô.
De Robert Johnson tem-se escassa iconografia: apenas duas fotos em que ele aparece segurando o violão, ostentando uma pose de desafio. Para suprir essa ausência de imagens do passado de seu cinebiografado, Brian Oakes opta por representá-las em forma de desenhos de intensa plasticidade, conferindo um belo apelo visual ao seu longa-metragem.
Dessa forma, temos um Robert Johnson em variadas dimensões, configurando assim uma visão ampla de sua história insólita.
Paulo Lima