FRANS KRAJCBERG: MANIFESTO e A TURMA DO PERERÊ
Frans Krajcberg (1921-2017) está dirigindo um carro por uma estrada do interior de Minas. Sorridente e emocionado, fala de uma árvore bonita e solitária que ele conseguiu salvar à beira da estrada. O carro se aproxima e, quando passa pela árvore, ele agita o braço para fora da janela e a cumprimenta com um grito: “Bom dia, árvore!”
A cena é uma das muitas coletadas por Regina Jehá em FRANS KRAJCBERG: MANIFESTO. Grande parte do documentário se compõe de arquivos de vídeo e áudio que, reunidos, recompõem lances da trajetória do artista e expõem sua profunda indignação com o descaso dos homens pela saúde do planeta.
Regina acompanhou seu companheiro, o publicitário Sepp Baendereck (1920-1988), em algumas expedições com seu amigo Krajcberg pela Amazônia e o Pantanal. Os registros dessas viagens, somados a alguns materiais complementares, formam um rico testemunho da convivência de Krajcberg com a floresta.
“A Natureza cria mais que eu”, diz ele a certa altura. O deslumbramento pelas formas naturais era tão grande quanto sua revolta contra a destruição. Um ponto de inflexão em sua maturidade foi quando abraçou o Manifesto do Naturalismo Integral, escrito pelo crítico de arte francês Pierre Restany. Em oposição ao realismo (que se relacionaria ao poder), o Naturalismo Integral propunha uma abertura da consciência para a Natureza.
Daí que a seleção de materiais para esse filme tenha privilegiado a militância inconformista de Krajcberg em lugar de uma narrativa propriamente biográfica. Ele conta, por exemplo, como contratou três caminhões para retirar suas obras de um espaço que as tratava com desleixo (“Curitiba, para mim, não existe mais”). Em outro momento impactante do filme, Regina chega com ele ao prédio da Bienal e testemunha sua exasperação com a forma como vinham preparando sua exposição.
Com discretas intervenções da diretora, o documentário deixa que os arquivos falem por si. Em suas derradeiras filmagens, com Krajcberg já aos 95 anos e corpo carcomido pelo câncer de pele, Regina gravou conversas graves sobre a guerra e a dizimação de sua família pelos nazistas na Polônia. “Para falar de fome, é preciso sentir fome”, avisa. E explica que fugiu da cidade para descobrir a vida, que é a Natureza. Assim como fugiu do quadrado (a tela de pintura) para mergulhar o corpo na floresta.
De volta a Pererê
A TURMA DO PERERÊ.DOC não resistiu mais que uma semana em cartaz. Tal vem sendo o destino de tantos filmes brasileiros que mereciam uma maior presença nas telas. Esse documentário faz algo mais que festejar a memória do célebre gibi Pererê do Ziraldo. É claro que o genial quadrinista está no centro de tudo, seja relembrando as raízes da temática e dos personagens nas suas origens mineiras, seja contando as alegrias e revezes das várias “encarnações” da revista.
Mas Ricardo Favilla aproveita bem a oportunidade para, através das entrevistas com Ziraldo e outras feras do gênero e do seu estudo, descrever um pouco o nascimento dos quadrinhos legitimamente brasileiros – dos quais Pererê é incontestável pioneiro. O diálogo da Pererê com o nacionalismo, os temas sociais e ecológicos, a arte pop e a poesia concreta fez da criação de Ziraldo um ícone da modernidade gráfica brasileira nos anos 1960.
Para além do valor informativo, como era de se esperar de um filme sobre o assunto, o doc diverte com as histórias por trás de personagens como a onça Galileu, o jabuti Alan e, é claro, o saci protagonista. Algumas tirinhas foram animadas por Miguel Kruschewski, explorando a bidimensionalidade do traço e o cromatismo exuberante de Ziraldo.
Houve um tempo em que a Pererê chegou a vender 140 mil exemplares numa única edição. Coisa impensável hoje em dia, quando os quadrinhos viraram item chique e um tanto intelectualizado. Este filme é, portanto, uma gostosa viagem no tempo.