OS OLHOS DE CABUL em lançamento online
O que primeiro chama atenção em OS OLHOS DE CABUL é o detalhismo realista com que a capital afegã é descrita visual e sonoramente. As perspectivas urbanas bem desenhadas com texturas de aquarela, as minúcias de iluminação e a riqueza de ruídos provocam uma imersão imediata na cidade arruinada por 20 anos de resistência à ocupação soviética seguida de guerra civil. Estamos em 1998, e o talibã impõe os rigores da sharia à população.
Mohsen e Zunaira, um jovem casal ligado ao ensino e às artes, fazem de sua casa um oásis de liberação, onde ouvem música, fazem amor e vivem a esperança de um futuro mais livre. Ao mesmo tempo, somos apresentados ao desgostoso Atik, carcereiro da prisão feminina, e sua mulher, acossada por uma doença mortal. Como se vê, esta não é uma animação da Disney. Muito pelo contrário, é uma história marcada pela crueza e a tragédia.
Os destinos dos dois casais vão se encontrar depois que um acidente doméstico causa a morte de Mohsen. Em jogo, principalmente, a questão da consciência numa sociedade dominada pelo medo e a intolerância. No início do filme, Mohsen presencia o apedrejamento de uma “pecadora” e questiona o impulso de conformidade que o leva a também atirar uma pedra. Consciência, desejo, renúncia e sacrifício vão definir os complexos desdobramentos da trama a partir do efeito que a visão de Zunaira prisioneira vai surtir sobre o carcereiro Atik.
A animação de Zabou Breitman e Elea Gobbe-Mevellec, integralmente europeia, procura retratar em vários ângulos a vida sob o talibã: a onipresença do chicote para regular os costumes, a crueldade inocente das crianças imitando os adultos, a depreciação absoluta das mulheres, a nostalgia dos cinemas e das livrarias entre as mentes liberais e a desolação de uma cidade destituída de toda intenção estética. Por trás do terror e da miséria nas ruas, os líderes talibãs se esbaldam com mulheres e fartura.
O realismo do filme se beneficiou de uma decisão crucial de produção. Em lugar da dublagem posterior, todos os diálogos foram gravados previamente. A voz dos atores é que comandou a realização dos desenhos, o que faz uma grande diferença. A dramaticidade de OS OLHOS DE CABUL é bem maior que a de A Ganha-Pão, outra animação sobre o mesmo contexto disponível na Netflix.
OS OLHOS DE CABUL pode ser visto no Cinema Virtual, com ingresso revertido para a sala de sua preferência (exceto as do Rio, infelizmente)
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