
Agnès Jaoui, Jamel Debbouze e Jean-Pierre Bacri em "Enquanto o Sol Não Vem"
Desde que os documentários viraram trendy, viraram também tema de filmes de ficção. Exemplos recentes são o francês A Quase Verdade, o Grey Gardens da HBO e os brasileiros Ouro Negro e Mulheres Sexo Verdades Mentiras.
Mas nenhum resolveu melhor essa equação do que o francês Enquanto o Sol Não Vem, em cartaz no Rio. Aqui uma ativista feminista em fase de balanço íntimo vai visitar sua irmã, com quem tem uma diferença de fundo familiar. É quando o filho da veterana empregada argelina resolve fazer um doc sobre a militante famosa, juntando-se a um repórter que deve ter se formado na escola Irmãos Marx de telejornalismo.
O resultado é hilariante e ao mesmo tempo muito sério. A tumultuada realização do doc é o veículo para todos tentarem resolver suas pendências pessoais, que incluem separação conjugal, adultério, envolvimento com a política, velhas queixas familiares, relações de classe. O tal doc funciona também como uma sátira do voluntarismo com que as pessoas saem hoje em busca da “realidade”, com uma câmera de vídeo na mão e um punhado de ideias confusas na cabeça.
Agnès Jaoui, diretora e atriz principal, volta à plena forma demonstrada em O Gosto dos Outros. Sua direção é fluida, natural e atenta aos menores detalhes. Seu roteiro (escrito em parceria com o extraordinário ator Jean-Pierre Bacri) é um primor de concisão, desenvolvendo uma estrutura multiplot dentro de uma trama única. Os personagens se transformam interiormente, embora as situações aparentemente não se modifiquem entre o início e o final do filme.
A ligação da cineasta e cantora Agnès com o Brasil (ela grava MPB em seus CDs e adotou duas crianças brasileiras) reponde pela presença de cenas documentais nordestinas numa ilha de edição visitada pelos personagens.