O acúmulo de trabalho não me tem permitido escrever com vagar sobre alguns filmes recentes. Mas aqui vão três notas irresponsáveis que não caberiam no envelopinho do Twitter:
O novo crepúsculo do macho
No ótimo e relativamente menosprezado Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos, Paulo Halm dá uma nova e divertida versão para o crepúsculo do macho, aquele conceito criado pelo Gabeira nos anos 1980, quando ainda era um progressista. O personagem vivido em minúcias deliciosas por Caio Blat é um escritor em bloqueio criativo que suspeita que sua mulher está tendo um caso com uma amiga. E o diabo é que ele se apaixona também pela amiga. Numa das cenas mais hilárias do cinema brasileiro recente, Zeca deixa-se sodomizar em circunstâncias surpreendentes. Do ponto de vista metafórico, o episódio ilustra o pânico e a inferioridade do macho diante de mulheres realizadas e bem resolvidas. Apesar do vexame de Zeca, a testosterona corre solta nessa comédia muito bem escrita, dirigida e montada. Com uma qualidade extra: a metalinguagem não serve de muleta para a ausência de dramaturgia. Ela é apenas esporádica, um toque de charme a mais.
Diagnóstico goela abaixo
O naturalismo não fez bem ao cinema de Sérgio Bianchi. Eu gostava de seus diagnósticos impiedosos da sociedade brasileira quando eles eram apresentados como tal: brutos, desmedidos, faca direta na carne. Em Os Inquilinos, Bianchi resolveu dar uma guaribada no estilo. Criou uma estrutura pretensamente menos teatral, um certo realismo de periferia com ares documentais, e até um personagem – o pai de família – em que o espectador pode se identificar, tanto nas reações como na paranoia diante de supostas ameaças. Aí é que, a meu ver, Bianchi fica inviável. No naturalismo, suas deficiências de diretor aparecem mais, os diálogos soam literários (uso do futuro do pretérito, por exemplo), a fluência das cenas fica atravancada por uma decupagem pobre. O resultado é que o diagnóstico, pela primeira vez, me pareceu enfiado pela goela em vez de injetado na pele. Para muita gente boa, inclusive o especialista João Luiz Vieira, Bianchi ficou melhor assim. Para mim, enfraqueceu.
Tudo pelo estilo
Tom Ford diz que não quis fazer um filme sobre homossexuais, nem sobre moda. A Single Man (Direito de Amar) seria um filme sobre a solidão de uma pessoa qualquer. Tudo bem, não vou discutir o sexo dos anjos num filme que lembra ora o brasileiro Do Começo ao Fim, ora o Querelle de Fassbinder. Mas o negócio da moda é mais sério. Socorro-me do campo semântico da palavra “estilista”, onde convivem estilo e moda. George (Colin Firth) é um homem obcecado pelo estilo, até mesmo para preparar o suicídio. Sua fixação na aparência das coisas (traço herdado do diretor) de certa forma esvazia sua substância, que se anula nos diversos encontros de um dos dias mais loooongos de um personagem do cinema. Comparado com Trinta Anos Essa Noite, de Louis Malle, em que um suicida iminente faz suas últimas visitas afetivas, A Single Man parece um desfile de poses artificialmente deprimidas. Pode não ser um filme sobre moda, mas é de alguém ligado mais à superfície que à humanidade que ela recobre.
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Sobre o filme do Pepê: tem alguma coisa na história que me fez lembrar de A Mamãe e a Puta, do Jean Eustache.
Abraços.
Vinícius.
Bingo! J.P.Léaud no lugar de Caio Blat entre a mulher-mãe e a mulher-puta tem tudo a ver com Eustache. Abração!