Caminhos poéticos da “purinha”

O lançamento da Sessão Vitrine esta semana é o filme vencedor da competição de documentários da Première Brasil no Festival do Rio e eleito melhor doc latino-americano do Festival de Mar del Plata em 2008. Produzido pelo bravo mineiro Tarcísio Vidigal, veio se juntar a um grupo de filmes que renovaram e revigoraram a linguagem documental no Brasil nos últimos dez anos. De Estrada Real da Cachaça emana uma música doce e original.

Quase nenhuma entrevista, nenhum depoimento de historiador, nem texto explicativo. Em vez disso, uma suíte de frases, chistes, cantos, ruídos naturais e belíssimas imagens para inventariar os muitos papéis da cachaça no interior de Minas. Mais precisamente, na região do antigo Caminho do Ouro, por onde a colônia escoava a produção das minas até o porto de Paraty. No rastro dos índios, os brancos abriram a estrada. No rastro do ouro, a pinga alegrou os espíritos.

Pedro Urano poderia ter apresentado seu material, resultado evidente de boa pesquisa, em formatos bastante tradicionais de doc histórico. Mas o que chama atenção em Estrada Real da Cachaça é justamente a troca desse caminho fácil por veredas mais penetrantes e encantadoras. Todos os elementos parecem acorrer mais a um chamado poético que a uma convocação informativa. As lavadeiras cantantes de Milho Verde, os bebuns de cidadezinhas adormecidas nos vales, os fiéis de Morro Vermelho que banham o Cristo em cachaça, o garoto que tenta conduzir a equipe até um alambique e se perde no caminho – é com eles que o filme afina seu diapasão. O que poderia ser um dó-de-peito documental vira uma ciranda gostosa em tom menor, dado pela relação carinhosa dos mineiros com a “branquinha”.

O óbvio voa bem longe dali. As vozes (quase sempre fora de quadro) ganham ares de versos. As imagens de arquivo chegam calibradas pelo desejo de experimentação, fazendo com que passado e presente se encontrem nos canaviais, cidades e trechos de serra. Ava Rocha foi a responsável pela inspirada edição de som e imagem, marcada pelo impulso vertoviano (o trem, a essência do movimento no mundo, a realidade recriada no corte).

A escala em uma mina de topázio em Mariana, com digressões alegóricas em torno do turismo e do destino atual das pedras preciosas, cria uma “barriga” e um desvio temático menos interessante. O corpo oscila um tiquinho, mas nada que abale a estrutura nem o charme da viagem.

>>> Estrada Real da Cachaça está em cartaz até quinta que vem no Cine Joia, Rio, diariamente na sessão das 21h. Veja aqui a programação em outras cidades. Abaixo, o trailer:

2 comentários sobre “Caminhos poéticos da “purinha”

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