Em 2000, o documentarista Les Blank (à direita na foto) visitou o colega Richard Leacock em sua fazenda na Normandia para dele colher um perfil biográfico e intimista. Leacock viria a morrer em 2011 e Les Blank, em 2013. Só depois disso o material veio à tona, por obra da viúva de Les Blank, Gina Leibrecht. Como Cheirar uma Rosa: Uma Visita com Ricky Leacock na Normandia compõe-se de cenas de uma conversa amiga, em que Leacock aparece feliz com sua mulher, Valerie Lalonde, fazendo a segunda coisa que mais gostava na vida: cozinhar.
Lá está o casal escolhendo legumes na feira, preparando bouillons e pot au feux, ou então passeando com o cachorro na praia em imagens que lembram muito Um Homem, uma Mulher, de Lelouch, filme que Leacock provavelmente detestava. Na hora de falar de sua vida e carreira, ele destaca seu amor pelo documentário, mais especialmente pela possibilidade de passar ao espectador “a sensação de estar lá”, ambição maior do cinema direto americano. Recorda lições de Flaherty, passa em revista os trabalhos com Robert Drew e comenta seus próprios filmes. Do que fez sobre Leonard Bernstein em 1958 e 59 lamenta ter perdido os melhores momentos por falta de equipamento leve e fexível. Entre os filmes com trechos incluídos na edição está o seu primeiro, Canary Bananas (1935), um doc à moda antiga sobre o processamento industrial de bananas nas Ilhas Canárias, onde nasceu.
Com um bom humor contagiante, Leacock fala das três vidas que viveu: a “séria” da juventude, a dissoluta da meia-idade e a tranquila da maturidade ao lado de Valerie. Dos tempos de alcoólatra não parecia ter saudades. Apesar de alguns momentos de enigmática introspecção numa conversa perto do final, a imagem que ele passou ao amigo Les Blank era de um homem em paz consigo mesmo e satisfeito por, enfim, no meio digital, poder fazer seus filmes fora do sistema, longe da televisão e atendendo apenas a sua vontade. Coisa simples como cheirar uma rosa. ♦ ♦ ♦