ÉTV: Imagens do Estado Novo 1937-1945

Em sua enunciação direta, o título do novo filme de Eduardo Escorel sugere uma dupla agenda. De um lado, apresentar a maior compilação já feita de imagens daquele período ditatorial, ampliando a resenha histórica já empreendida pelo cineasta em 1930 – Tempo de Revolução, 32 – A Guerra Civil e 35 – O Assalto ao Poder (leia aqui sobre esses três filmes). De outro lado, discutir o Estado Novo como usina de imagens ou mesmo o fato de o regime ter se sustentado como pura imagem, apagamento de contradições e de contestações.

O roteiro desenvolvido em conjunto com Flavia Castro partiu, naturalmente, das imagens, a maioria delas oficiais, de cinejornais produzidos pelo DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda. Mas a narração, a cargo da voz pausada e cheia do próprio Escorel, procura, aqui e ali, fazer a crítica da imagem. Já no começo das quatro horas de projeção, ele se pergunta: “é possível fazer um filme sobre o Estado Novo com imagens de propaganda?”. Vez por outra, essa narração se volta sobre o próprio material fílmico, indagando o que as cenas omitem em vez de mostrar ou que conclusões se pode tirar dos materiais perdidos. O recurso de desmentir o discurso das imagens pelo discurso verbal também é acionado em diversos momentos. Em um deles, pelo menos, deixa a desejar em termos de embasamento. É quando a população carioca festeja o final da II Guerra diante de Getúlio e uma faixa com a inscrição “Democracia” é identificada por Escorel como um protesto contra a ditadura brasileira. Para quem vê a cena simplesmente, a faixa soa como uma celebração da vitória da democracia dos aliados contra o nazifascismo.

De qualquer forma, é necessário pontuar que a atitude crítica face aos arquivos da época é amplamente sobrepujada pelo uso dos filmes e cinejornais como matéria mesmo de um relato historiográfico. Mais do que desnudar a propaganda do DIP, Escorel a engaja numa narrativa factual do comportamento do Estado Novo, do seu início com um golpe militar a seu encerramento com outro golpe. Como explanação audiovisual, o valor do filme é inestimável. Nunca se viu antes uma seleção tão rica e definidora do Brasil daqueles anos. Se Getúlio é obviamente o ímã de todas as câmeras, é possível também vislumbrar as imagens do povo, da vida nas ruas, além de cinejornais estrangeiros que ajudam a compor o mosaico documental do período. Uma canção de louvor a Getúlio montada sobre cenas da lavagem de um jacaré abatido é um dos poucos exemplos em que o filme se permite exercitar a ironia.

Escorel usa também trechos dos diários de Getúlio, de cartas e outros documentos escritos para complementar ou questionar sentidos latentes nas imagens. Referências à sucessão de bombardeios que vão de Guernica a Hiroshima, passando por Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, a invasão nazista na Polônia e a destruição de Dresden, pretendem sem muito êxito ampliar o espectro retórico do filme. O foco mais bem-sucedido está na ambiguidade/pragmatismo de Getúlio no trato com as forças da II Guerra Mundial e com os militares no front interno, assim como no projeto de ligação direta do ditador com o povo.

De resto, Imagens do Estado Novo convoca o espectador a uma viagem imersiva fascinante por oito anos de Brasil.

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