Sobrancelhas florestais, sandálias de sola de pneu, bolsa a tiracolo. Professor lukácsiano e matuto. Poeta marginal e letrista mainstream. Menino brincalhão e ensaísta em busca de uma visão do Brasil. Desse jeito multifacetado é que Antonio Carlos de Brito (1944-1987) aparece em Cacaso – Na Corda Bamba. Sem fugir ao padrão do documentário gênero “vida de artista”, esse perfil de Cacaso consegue ser simpático e razoavelmente investigativo das várias camadas de sua personalidade.
Como poeta marginal, a trajetória de Cacaso tangencia a do grupo retratado no filme de abertura carioca desse festival, As Incríveis Artimanhas da Nuvem Cigana. Chacal e Charles Peixoto são alguns nomes presentes no elenco de ambos os docs. Mas é Geraldo Carneiro quem dá os depoimentos mais iluminadores sobre a maneira como Cacaso se comportava e instigava os jovens poetas dos anos 1970.
O seu apartamento em Copacabana era um ponto de encontro e discussão das ideias em voga. Sua sala de aula na PUC-RJ, um recreio de pura inspiração literária. Seus poemas curtos rodados em mimeógrafo juntavam a herança modernista de Drummond e Bandeira com a rapidez da piada urbana. O filme de José Joaquim Sales, codirigido por Ph Souza, procura ser fiel às várias fisionomias de Cacaso, tendo dele mesmo somente um depoimento gravado em 1987 e um acervo fotográfico. É na pluralidade de vozes (poetas, críticos, músicos, cineastas) que o retrato se adensa até chegar ao ambicioso projeto, nunca realizado, de um filme sobre Canudos que tentaria traduzir o Brasil em idioma contemporâneo.
A pressa com que os poemas e a brevidade com que as canções passam pela tela às vezes deixa uma pontinha de frustração. Mas, na verdade, o filme quer ser, mais que uma antologia, um convite a que voltemos aos poemas e às letras de Cacaso para sorver sua profundidade singela.