Depois de ter sido biografada em livro e numa minissérie de TV, a cantora Clara Nunes (1942-1983) ganha, enfim, o seu longa-metragem documental. A diretora Susanna Lira o assina junto com Rodrigo Alzuguir, que há mais ou menos 20 anos iniciou um projeto nesse sentido.
Eles resolveram abrir mão de todas as referências exteriores (depoimentos, análises, elogios) e mostrar uma Clara narrada por ela mesma. Quando não é a sua própria voz falando na TV ou no rádio, é a voz de Dira Paes narrando trechos de entrevistas em que ela se descreve.
É assim que encontramos Clara Francisca Gonçalves (o sobrenome artístico Nunes foi homenagem à mãe), a mineira mais baiana da MPB. Da infância de menina cantante na pequena Paraopeba (MG) à operária da indústria têxtil, daí à crooner pobre que morava em vaga junto com prostitutas no Rio de Janeiro, à cantora de músicas românticas e, pelas mãos de Ataulfo Alves e Vinicius de Moraes, à estrela do samba que vendeu mais discos que qualquer mulher na música brasileira até então.
Voz quente e cheia, roupa branca rendada e colares, filha de Ogum e Iansã, leonina no zodíaco e portelense no coração, Clara é objeto mas também autora virtual do documentário. Sua presença na tela e no áudio é tão imperante que não sobra espaço para mais nada.
Ainda assim, a gente sente falta de imagens sobre momentos cruciais de sua carreira, como o show Poeta, Moça e Violão com Vinicius e Toquinho (do qual Susanna assegura não existirem imagens em movimento) ou a peça Brasileiro, Profissão Esperança, que são apenas citados com fotos. Os materiais de arquivo incluem muitas performances da cantora e inserções de cunho poético, mas nem sempre escapam à ilustração literal (biquínis na praia com Garota de Ipanema ou mulheres de roupas hipercoloridas na África, por exemplo).
Afora esses senões, CLARA ESTRELA é um presentão para os fãs e uma boa introdução para quem chegou atrasado e perdeu a luz forte que Clara irradiava.