A sinopse desse documentário de Taiwan anuncia uma situação bizarra: filha faz um filme sobre sua mãe para questioná-la sobre o fato de ser lésbica e não dar mostras de amor materno. Mas o que se revela na tela, apesar de frontal e sem meias-palavras, é um delicado exercício de compreensão do outro.
Com produção executiva do mestre Hou Hsiao-Hsien, CONVERSA FIADA mostra a família como lugar não da idealização sobre os afetos, mas da difícil negociação de convivência. Pacientemente, a diretora Huang Hui-Chen tenta romper a casca de silêncio com que Anu recobre seu passado, quando teve um casamento arranjado com um homem violento, do qual viria a se separar. A violência masculina doméstica, aliás, é um dado que atravessa gerações em Taiwan.
Ao contrário da irmã mais nova, Huang descolou-se da profissão da mãe, que integra um grupo de carpideiras folclóricas. Através de danças e cantos com figurinos coloridos, elas são contratadas para guiar o espírito dos falecidos rumo à salvação. Huang tornou-se ativista social com foco no audiovisual. CONVERSA FIADA é seu primeiro longa, mas já exibe a perícia e a segurança de uma veterana.
Suas tensas conversas com Anu misturam confrontação e busca de entendimento. Numa dessas interlocuções, Huang traz à tona queixas especialmente graves quanto a sua relação com o pai na infância, com a suposta leniência da mãe. Por outro lado, as entrevistas com ex-namoradas de Anu completam o perfil de uma mulher que a filha desconhece e trazem novas dúvidas sobre a condição real da família.
O filme é extremamente habilidoso no uso de arquivos domésticos e na criação de situações ilustrativas de dilemas distribuídos em três gerações. Uma visita à aldeia de origem da mãe e registros da filha e da sobrinha pequenas de Huang abrem esse estudo familiar para além da relação mãe-filha. São vários os tabus que o documentário examina e oferece ao nosso discernimento.
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