O vilão de Davos

O FÓRUM em lançamento online

Alguns trechos de O Fórum (Das Forum – Rettet Davos die Welt?) têm circulado nas redes sociais mostrando a inadequação de Jair Bolsonaro durante o Fórum Econômico Mundial de 2019. São cenas realmente constrangedoras, que ilustram o papel do presidente brasileiro como vilão e motivo de chacota no cenário internacional. No filme, vemos que, antes mesmo de sua chegada, o fundador e CEO do Fórum, Klaus Schwab, já tentava se livrar da mediação do encontro com ele, tentando jogar o abacaxi no colo do CEO da Nestlé.

Em entrevista a um jornal brasileiro, o diretor Marcus Vetter contou que “ninguém queria ficar perto de Bolsonaro” em Davos. E que retirou uma cena constrangedora, de foro íntimo, porque o brasileiro não sabia que estava sendo filmado.

Após o discurso pífio e ridículo, em que exaltou a volta dos “valores” ao governo do Brasil, vemos Bolsonaro deslocado num coquetel, socorrido apenas por um intérprete, um assessor de uniforme militar (algo completamente alheio ao figurino de Davos) e seu patético chanceler Ernesto Araújo. Al Gore tenta entabular uma conversa com ele e se diz amigo de Alfredo Sirkis. Sem a menor noção do que seja diplomacia, Bolsonaro reage dizendo ter sido “inimigo” de Sirkis durante a luta armada. Em seguida, Al Gore expressa sua preocupação com a Amazônia, ao que Bolsonaro responde, entre sorrisos de plástico, “gostaria muito de explorar as riquezas da Amazônia junto com os Estados Unidos”. O americano retruca: “Eu não sei o que isso significa” – e a conversa parece não progredir muito a partir daí.

Pouco depois, a diretora executiva do Greenpeace, Jennifer Morgan, entrega seu cartão ao presidente brasileiro e diz que gostou de ouvi-lo afirmar que vai proteger as tribos indígenas. Bolsonaro sequer olha para ela, sem esconder um ricto de ódio na expressão. Minutos depois, Jennifer e outra ativista comentam, entre risos, o encontro inusitado. A vergonhosa passagem brasileira por Davos 2019 ainda aparece na entrevista com Paulo Guedes, que, ao lado de um Bolsonaro calado e distante, apresenta o “novo Brasil” onde não haveria mais corrupção. Os olhares dos assistentes variam visivelmente entre o tédio e o descrédito.

Mas ainda tem mais Brasil em O Fórum. Relembrando algumas passagens importantes de sua história à frente do grande encontro de Davos, Klaus Schwab menciona o convite a Dom Hélder Câmara em 1973. O inflamado discurso do bispo contra as multinacionais causou problemas para Klaus e o fez repensar o espírito do Fórum.

Klaus Schwab

Hoje Schwab é sobretudo um sacerdote da conciliação, empenhado em criar pontes e aparar arestas. Mesmo que para isso seja preciso defender uma empresa nociva como a Monsanto contra todas as evidências contrárias – o que o leva a ser criticado por se arriscar menos do que deveria e por supostamente trabalhar não para melhorar o mundo, mas para manter o status quo. Toda a sua diplomacia não foi capaz de poupá-lo de um dos piores constrangimentos. Em 2001, em encontro histórico entre Shimon Peres e Yasser Arafat, o líder palestino trapaceou para fazer seu discurso depois do de Peres. E derramou o caldo da concórdia com uma fala agressiva contra a ocupação israelense, selando um “divórcio” em lugar de um esperado “casamento”.

O documentário do alemão Marcus Vetter é o primeiro a desfrutar de amplo acesso aos bastidores do Fórum Econômico Mundial. Vetter filmou os eventos de 2018 e 2019, além de reuniões e atividades entre um e outro. Temos a oportunidade de ver Schwab no seu trabalho de formiguinha, decidindo desde a composição das mesas de jantar até os presentes que cada mandatário ou grande empresário levará como lembrança. Em 2018, a presença de Donald Trump como mascate de vendas dos EUA dominou o encontro, atraiu bajuladores e causou grande tensão, como revelam os cuidados de uma assessora ao abrir caminho para uma pequena caminhada do presidente americano. Já em 2019, as queimadas na Amazônia colocaram em posições opostas o ignóbil Bolsonaro e a paparicada ativista ambiental Greta Thunberg.

Greta Thunberg (esquerda)

A câmera e o microfone de Marcus Vetter captaram não só os grandes eventos coletivos do Fórum, como também trechos de conversas particulares entre governantes, empresários e ativistas. Discussões sobre mudanças climáticas, preservação de oceanos, desenvolvimento de inteligência artificial, internet das coisas e outras novas tecnologias se misturam com a busca de acordos comerciais e a realização de grandes negócios. As pautas políticas se confundem com as econômicas. Testemunhamos momentos de “saia justa” entre representantes do Fórum e a Conselheira de Estado de Mianmar, Aung San Suu Kyi, sobre a repressão contra minorias muçulmanas e a prisão de jornalistas naquele país.

Em Ruanda e Gana, conhecemos o projeto da Ziplink, apoiado pelo Fórum, de drones que transportam medicamentos para lugares longínquos com rapidez e precisão impressionantes. Na Indonésia, o Fórum participa da reconfiguração agrícola do país, possibilitando maior participação dos pequenos produtores rurais.

Do filme fica a ideia de que o Fórum é uma atividade que não se esgota no encontro anual sob a neve da Suíça. Espraia-se ao longo do ano e em vários países por meio de parcerias estratégicas, eventos intermediários e preparatórios. Como documentário, é imersão em uma nuvem de top celebrities que, para o bem ou para o mal, definem os destinos do mundo.

O Fórum está disponível no Youtube (pago), Apple TV (iTunes), Google Play, Vivo Play e Looke.

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