Leia o update de Clóvis Molinari Jr. no final do texto
Se você tem mais de 35 anos, é provável que tenha pelo menos frequentado algumas sessõezinhas de Super 8. Fosse para ver as últimas travessuras das crianças, suportar as imagens tremidas da recente viagem do amigo ou babar com as proezas de alguma estrela pornô em cópias contrabandeadas. Talvez você tenha até cometido algumas filmagens com aqueles rolinhos e montado com cortadeira e coladeira que pareciam de brinquedo. Como eu, que, junto com meu amigo Julio Bronislawski, cheguei a vencer um festivalzinho em Campinas com um curta de desenlace amoroso inspirado na música de Piazzolla.
Mas se você tem menos de 30 anos, é capaz de nem saber o que é Super 8. Se bem que a bitolinha nunca tenha saído da mira dos documentaristas em busca de arquivos domésticos e tenha voltado à moda há algum tempo como diferencial estético em filmes experimentais. Os do Cao Guimarães, por exemplo. Para quem não conhece ou quer rever o fascínio portátil desse “outro cinema”, começa à meia-noite de segunda para terça no Canal Brasil a série Super 8 – Tamanho Também é Documento.
Clóvis Molinari Jr., do Arquivo Nacional, é um dos cultores do 8mm. Para fazer a série, ele reuniu 30 horas de material convertido em vídeo, proveninente de seu arquivo particular e de outros realizadores e instituições, entre os quais Jorge Mourão, José Araripe Jr., Rudi Santos, Edilson Plá, Maurício Lissovsky e o Tempo Glauber. No primeiro programa, Clóvis explica o surgimento da bitola, nos anos 1960, e dá uma visão geral do que ela representou como testemunha de vidas familiares, resistência à ditadura e expressão artística independente nas décadas de 70 e 80. Até ser substituída pelo vídeo.
A julgar por essa introdução, vejo um programa ágil, atraente e apresentado por alguém que realmente entende (e gosta) do assunto. O acervo de Super 8 é um tesouro ainda desconhecido, composto de pequenos filmes documentários, de ficção, de interferência política, experimentais e domésticos. Clóvis Molinari Jr. vai abrir o baú em 13 programas temáticos. Na semana que vem, o tema será Glauber Rocha, apresentando, entre outras raridades, as filmagens do seu velório e até uma apresentação recente de Ava Rocha no Tempo Glauber. Tudo na textura e nas cores nostálgicas do Super 8, é claro.
Update:
Um pouco tardiamente, Clóvis Molinari Jr. respondeu a algumas perguntas que lhe enviei depois de ver o primeiro programa da série num DVD de imprensa. Por ser muito esclarecedor sobre o trabalho, transcrevo abaixo o seu e-mail:
“Sobre os programas da série que fiz – SUPER-8: TAMANHO TAMBÉM É DOCUMENTO (na produtora Carambolas, com Terêncio Porto, para o Canal Brasil), posso dizer que decidi fazer comentários apenas no programa 1. Não fazia sentido construir crônicas em todos os programas e sobrepor a “voz do dono”, como se dizia na época (a visão do diretor sobre os filmes) às imagens e suas peculiaridades. A maior parte da série conta com rolos de filmes acompanhados de sons, vozes, ruídos e músicas da época conservadas em fitas cassetes. As trilhas sonoras estavam separadas da película e também precisaram ser preservadas e remasterizadas. Um novo som foi criado, é verdade. Novos cortes, novos elementos surgiram para substituir danos, rasuras, triturações resultantes da excessiva projeção da película fina e delicada. O filme super-8 envelhecia, chegava à terceira idade, já na quarta projeção! Impossível nada fazer. Procurei manter os materiais a todo custo sem o mínimo de intervenção. Mas era preciso fazer algo para acentuar as cores e tornar o som audível na TV. O cinema da parede da casa acabou na telinha da tevê.
No primeiro episódio da série, o objetivo é levar ao público uma noção geral do fenômeno que foi a bitola super-8. A maioria dos rolos de filmes que estavam (estão) sob a minha custódia não é de filmes “acabados”, mas de copião, material bruto, cuja singularidade é essa: a captura da realidade por pessoas que não pretendiam imitar coisa alguma, nem transformar suas imagens em produtos de mercado. Era essa ideia que nos guiava: a de confronto ideológico, uma contestação aos interesses do capital. São desejos que (hoje se vê) não ganharam força, foram anulados, superados, fracassaram. Foram tragados pela tecnologia. Muitos foram para a internet achando que a informática faria uma revolução. Hoje parece “fora de moda” ter vontade de estar ou manter-se à margem. Ninguém mais resiste a um bom cheque, a um excelente contrato com quem quer que seja o patrão, crente ou pagão. Poetas se transformaram em biógrafos, saboreiam convites para obras de encomenda. Todo mundo quer entrar para o centro, ser o centro das atenções. Chamar para si a picada da mosca do sucesso. Veja como a história é dinâmica (salve-se quem puder!): jamais poderia passar pela cabeça dos superoitistas que um dia fariam parte de um programa de televisão (uma heresia para a época).
Contudo, apesar da convicção de que a intervenção é inevitável e a neutralidade impossível, não houve cortes visando a ganhar uma dinâmica cinematográfica nos padrões conhecidos. A marca do amador é sua própria marca. Evidente que no caso dos filmes finalizados mantive a integridade do título, exceção feita a alguns autores que concordaram (e autorizaram) a edição de trechos de diversos filmes. A nova edição resume o conjunto da obra desses autores. Como a grande maioria é de filmes silenciosos, foi feita uma trilha que também transmite o espírito daquele tempo, quando eram improvisados sons da época. Isso é interessante: a exibição de filmes super-8 dentro de casa tinha um aspecto de obra teatral. Ou seja, a exibição nunca se repetia. Cada apresentação, uma nova experiência. Era preciso ser criativo na captura das imagens e também no instante da projeção! Colocávamos um disco de vinil na vitrola e uma onda aparecia a cada sessão. Evitei quanto pude interferir na obra, dar a ela uma contemporaneidade inexistente, somente para conquistar o gosto estético dos dias atuais. Procurei mexer no passado sem tirar dele seus sinais. Jamais me ocorreu fazer uma operação cirúrgica de restauro, nem mesmo reconstruir um tempo como fazem os arqueólogos quando encontram um fóssil. Seria uma violência dar uma nova dinâmica ao filme original, adotando técnicas e sonorização modernas. Se hoje determinados movimentos de câmara parecem primários e rudes, a ansiedade, sente-se a respiração do cinegrafiasta em um filme super-8. É demais exigir planos fixos e tripés em batalhas de estudantes versus polícia no centro da cidade! A câmara tinha que estar nervosamente trêmula tanto quanto os nervos de quem filmava! As manias e vícios de linguagem da época cansaram, mas hoje é peciso conhecê-las e não escondê-las! O hábito de manipular câmeras amadoras sobreviveu com as máquinas digitais. Alguns estilos podem produzir tédio aos olhos de um público forjado para a velocidade dos games. Há outro caso de comentário em off: o filme Praia do Flamengo 132, sobre a derrubada do prédio da UNE. O episódio número dois será Glauber!
Abs, Clovis Molinari Jr.
Carlos Alberto; encontrei seu blog por acaso enquanto procurava pelo contato do Clóvis Molinari Jr na web. Gostei bastante dos textos e vou indicar aos amigos que também gostam de cinema. Sou coordenador de um festival de Cinema chamado Curta8; mantido pela Caixa Cultural de Curitiba.
Mais Informações: (www.curta8.com.br).
Nele exibimos exclusivamente filmes em super8 de várias partes do mundo. Infelizmente, ao que tudo indica, nos tornamos o último festival do gênero na América do Sul, mas a atividade vem crescendo surpreendentemente e estamos fazendo um trabalho de levantamento e resgate do super8 brasileiro. Estou precisando contatar o Clóvis e peço se puder me passar o contato dele? Eu pensei em pedir o contato no Canal Brasil, que fará a cobertura do festival este ano, mas como vi que você tem interesse pelo assunto peço a você para que me mande um contato seu também, assim trocamos mais informações sobre o tema.
Grande Abraço
Leandro Bossy
caro Clovis,
virei fa completo do programa !!!
tenho inumeros super 8 em casa e tambem sei quem tem antigas perolas do Raul seixas etc…
entre em contato.
abs,
Pico Garcez
Victor, repassei seu comentário para o Clóvis. Abraço!
Tenho 17 anos e me apaixonei pelo programa. Já conhecia a super 8 mas não a sua história… Senti um encantamento tão grande que parecia saudade. Saudade de ver em cada captura de imagem uma nova experiencia, ver o novo tão de perto. Quase tudo hoje me parece cúmulo de banalidade…
Que legal, Letícia! O Super 8 era puro desejo e pura emoção. Vamos acompanhar a série.
Caro Clóvis Molinari, depois de muita luta — e de ter eprdido sua série “Super-8: Tamanho também é Dociumento”, por mitovo de viagens — gostaria de ter seu e-mail para troca de figurinhas. Sim, estou (bem) acinma dos 30, idfade que tinha ao vver em Chicago, servindo no nosso Consulado, e assinava a ecxzeloente revistya tenho aqui em Juiz de Fora a coleção completa!) “Super-8 Filmaker”. Tenho inúmeros “travelogues”, documentários de viagens, sonorizados, etc. e tal, feitos por mim, em lugares quase exóticos por onde andei a serviço do Itamartaty, como a Guiné-Bissau e Moçambique, Grécia, Turquia, toda a América Latina e Europa, e a minha querida África, na fase das seguidas independências, etc. Queria compartilhar isso com você e seus alunos/admiradores. Se me mandar seu endereço postal completo mando-lhe esses presentes pelo Sedex. De qualquer forma, agora o mais importante: Como e quiando, pelo amor de todos os santos superoitistas dos céus, pdpoerei ver sua série, ou comprar uma cópia em DVD com os seus programas? Será que vão repetir na TV? É um tesouro, esse seu acervo, estava doido para ver e gravar (para meu uso exclusivo, claro, com sua permissão).
Abraços de
Victor Manzolillo de Moraes
Rua Delfim Moreira, 172/202 Juiz de Foras, MG, CEP 36010-570
PS: o problema é que volto para o exterior dia 11 de fevereiro! Ajuda!!!