“Cinema de Garagem” foi o título de uma mostra de filmes organizada por Dellani Lima em Belo Horizonte. Acabou virando título também do livro que ele e Marcelo Ikeda lançaram recentemente, com o subtítulo de “Inventário afetivo sobre o jovem cinema brasileiro do século XXI”.
Para esses observadores, carinhosos mais que críticos, o que define um certo tipo de cinema que pode ser chamado “de garagem”? Isso passaria tanto pelo modelo de produção quanto pelo processo de criação. Muitos desses filmes, mesmo de longa metragem, são feitos sem dinheiro de editais ou de grandes patrocinadores. Respondem a um desejo mais de expressão que de reconhecimento. Em alguns casos, o propósito de viver “no” cinema supera o de viver “do” cinema, refletindo uma linha de continuidade entre o profissional e o vivencial. A assinatura do autor é diluída entre vários signatários, que ora se agrupam em conjuntos (Alumbramento, Teia etc.), ora se permutam em redes através de vários estados.
Se de um lado a postura crítica de Marcelo e Dellani soa cautelosa ao recuar sempre de hierarquias e totalizações, de outro assume preferências de maneira explícita e às vezes retumbante. Como quando Ikeda, ao analisar o documentário de Cao Guimarães e Pablo Lobato, conclui peremptório: “acredito que o cinema deva ser como Acidente”. Ikeda, aliás, insere no livro seu sonoro manifesto por uma crítica que seja não um porto seguro, mas “um barco à deriva”, que prefira a dúvida às certezas de especialistas. No entanto, suas próprias notas críticas sobre filmes alheios estão repletas de afirmacões convictas e adjetivos policromáticos.
Se a contradição pode ser tomada aqui como uma virtude, isso se deve ao caráter “de garagem” do livro em si. Ele foi editado pelos próprios autores, e nesse sentido tem muito a ver com o modelo de cinema que eles procuram iluminar. O livro nasceu do desejo de oferecer, de bate-pronto, um pacote de reações aos filmes, muitas vezes no ato mesmo de sua primeira exibição. Em vez de reflexão distanciada, Cinema de garagem é, em sua maior parte, uma coletânea de textos publicados em catálogos de mostras e blogs frequentados pelos autores, que acompanham a cena desde seu alvorecer. Daí vêm uma certa descontinuidade, algumas repetições e principalmente o sentido de urgência que norteou aqueles artigos.
Vou publicar uma resenha mais completa do livro no número 54 da revista Filme Cultura, a ser lançado em maio. Mas Cinema de Garagem chega bem antes aos leitores do Rio e São Paulo. Será lançado na Mostra do Filme Livre em março, nos dias 13 (Rio) e 24 (SP).
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corrigindo o Carlinhos: edição 54 da Filme Cultura será lançada na segunda quinzena de abril! aguardem!