Será tudo verdade?

A partir de hoje vou postar comentários e pequenas resenhas de filmes do É Tudo Verdade 2011. Para começar, reproduzo aqui minhas respostas a uma entrevista do caderno Rio Show (O Globo), que as publicou parcialmente na edição de hoje.

Arte sobre foto de Jorge Bodanzky

É arriscado apontar tendências do documentário através da seleção do festival, que é fruto de uma curadoria mais ou menos pessoal. O Amir Labaki tem uma grande atração por documentários de “issue“, aqueles dedicados a grandes temas da atualidade ou históricos. Mas também abre espaço para experiências mais personalizadas e, em menor grau, para documentários mais experimentais. Pode-se dizer que seus critérios são combinatórios, de maneira a cobrir os principais tipos de documentário.

Se o festival pode ilustrar uma tendência bastante contemporânea é a utilização cada vez mais frequente do material gerado por redes sociais, celulares e outros dispositivos de expressão individual não institucionalizada pela imprensa, a TV ou o próprio cinema. Um dos melhores filmes entre os que já tive oportunidade de ver é A Onda Verde, sobre a participação dos jovens iranianos na campanha pró-Mousavi nas eleições de 2009, a subsequente manipulação dos resultados e o massacre dos ativistas. O filme usa animação para “encenar” relatos de blogs, incorpora mensagens do Twitter e transforma blogueiros em testemunhas da História.

Chamo atenção também para A Vida em um Dia, do consagrado Kevin MacDonald, composto exclusivamente de materiais filmados em diversos lugares do mundo num único dia e postados no Youtube. Em ambos os casos, é a experiência humana colocada à frente do jornalismo e do documentarismo profissionais.

Outro eixo importante este ano é a relação entre brasileiros e estrangeiros. O poeta-documentarista Jorgen Leth despe mulheres brasileiras no seu O Homem Erótico; Carlos Adriano filma a Paris de Santos Dumont em Santos Dumont Pré-Cineasta?; a brasileira Luisa Dantas documenta a reconstrução de Nova Orleans em Terra da Oportunidade; Arthur Omar apresenta o seu Os Cavalos de Goethe, construído a partir de filmagens no Afeganistão.   

Nem sempre o É Tudo Verdade atende a todas as nossas expectativas. A ausência do badalado Exit Through the Gift Shop, o polêmico candidato ao Oscar assinado pelo artista de rua Banksy, pode desapontar alguns. Por outro lado, a Retrospectiva da russa Marina Goldovskaya é um desafio para o festival, dado o relativamente pouco interesse do espectador brasileiro pelo processo russo pós-glasnost. Mas as diversas mostras contemplam uma tal diversidade e tantos autores célebres que não dá para realmente se queixar. Destaco o “pequeno” filme do grande Frederick Wiseman, Academia de Boxe, que retrata com maestria um microcosmo da América mediana, tão distante de tudo o que Hollywood representa. Os dois filmes de Stig Björkman feitos com cenas de bastidores de filmes de Bergman é outro quitute que nenhum cinéfilo pode perder. Sobretudo o curta, que mostra um Bergman careteiro e paquerador. Outro curta, o brasileiro Coutinho Repórter, surpreende pelas revelações de Eduardo Coutinho a respeito de sua passagem pela Globo nos anos 1970 e 80. Os apreciadores do documentário também não vão deixar passar em branco os novos filmes de Kim Longinotto, Alex Gibney, Pawel Lozinski, Eugene Jarecki, Silvio Tendler, Toni Venturi e Bebeto Abrantes.

Na competição nacional, entre os que pude ver até agora, fiquei impactado por Carne, Osso, com sua forte denúncia das condições de trabalho em frigoríficos brasileiros; pela radicalidade de Aterro do Flamengo, ao transformar um plano fixo de quase 50 minutos num teatro de reações humanas diante da morte; e pelo faroeste contemporâneo brasileiro esmiuçado em Vale dos Esquecidos.

E acrescento agora o excelente Vocacional, uma Aventura Humana, de Toni Venturi – memória, exemplo e efeitos de uma experiência educacional inspiradora e “subversiva” na São Paulo dos anos 1960.  

Poesia e verdade

Por fim, ponho meu marcador amarelo desde já na retrospectiva nacional, que reune docs sobre poesia e poetas. O trinômio Documentário-Poesia-Verdade será objeto de uma conversa entre Joel Pizzini e Walter Carvalho, mediada por mim, no dia 7 de abril, às 16 horas, no Instituto Moreira Salles.

Para todos os detalhes e programação, consulte o site do festival.   

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