“Quem é que não teve na vida um problema de amor?”, pergunta o primeiro verso da primeira canção que se ouve nos créditos de abertura de Vou Rifar meu Coração. Ou seja, desde o início o filme de Ana Rieper abre essa conjectura na cabeça do espectador. Ninguém está imune aos problemas de amor nem à identificação com esta ou aquela canção, dessas que “vão no fundo do poço”, como diz uma personagem.
O mecanismo de identificação é elemento central no filme. As pessoas anônimas que aparecem na tela, filmadas nos estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco, acentuam a semelhança entre o que sentem e o que dizem as canções. Para o espectador um pouco mais distanciado daquele universo cultural-afetivo, fica um misto de identificação e distanciamento, de curiosidade antropológica e de perturbador espelhamento. Se “a paixão é a coisa mais brega do mundo”, nas palavras de outra personagem, então somos todos bregas. O que pode mudar é o estilo musical.
No brega romântico que faz sucesso pelo interior e periferias do Brasil, compositor bem-sucedido é o que “faz música para quem abraça”, no dizer de um deles. Vou Rifar meu Coração sai atrás não de um músico ou um evento musical, como tantos documentários brasileiros recentes, mas de um certo espírito, um tipo de história que circula pelas letras das canções. Distancia-se também de As Canções, de Eduardo Coutinho, por não isolar os personagens num espaço performático, mas sim buscá-los em sua origem – os bares, postos de gasolina, galpões de dança, varandas, salas de visita, cenários onde os amores acontecem e se decantam.
Compositores como Odair José, Nelson Neddy e Agnaldo Timóteo estão ali com o mesmo peso das pessoas que poderiam ter inspirado suas canções ou nelas se inspiram para celebrar suas conquistas ou curar suas feridas amorosas. Alguns cases parecem adaptações das músicas para a vida real: o homem que se apaixonou e se casou com a prostituta favorita, o que há 30 anos se divide entre dois casamentos consentidos, o que perdeu a mulher e ficou somente com um fiapo de canção. Num certo ponto, o filme se permite também flanar por conversas e falas que já não se relacionam com música nenhuma, mas formam uma espécie de crônica bem humorada do amor popular. A matéria, no fundo, é a mesma.
Talvez um pouco mais de pesquisa e uma montagem menos dispersiva levassem a uma exposição ainda melhor desse condensado de retórica afetiva em torno do brega. Mas o filme tem qualidades de sobra para se destacar num gênero hoje tão prolífico. Quem criticou Ana Rieper por não tocar diretamente no assunto do crime cometido pelo compositor Lindomar Castilho (ele matou a segunda mulher por ciúme) não reparou a maneira sutil e orgânica como ela tratou o assunto, intercalando o depoimento dele com a canção Julgamento, de Amado Batista.
As falas de Wando com a porta do quarto entreaberta e ao fundo uma cama desfeita são desses momentos em que um filme otimiza seus signos de tal maneira que a gente só pode bater palmas e cantar junto.