Eu pensei que a onda tinha ficado há muito para trás, mas a crer em alguns títulos desse 21º É Tudo Verdade, as inquirições familiares continuam em alta no documentário. E nem sempre com resultados que ultrapassem o mero interesse privado dos envolvidos.
Pelo menos quatro curtas em competição trazem jovens cineastas investigando a história de seus avós. No brasileiro Aqueles Anos em Dezembro, o paulista Felipe Arrojo Poroger procura reconstituir o encontro entre seus avós justamente a partir da impossibilidade de reencená-lo como pretendia. Temos, então, um pequeno filme-processo que se estiola na negação do filme pronto e na sucessão de indícios e materiais fechados em si mesmos.
Bem mais interessante é Abissal, o projeto do cearense Arthur Leite de ouvir sua avó sobre uma história enterrada no passado da família. Depois de muito pedir a ela que falasse a respeito do grande amor de sua vida, ele um dia teve o desejo atendido num depoimento claro, firme, ainda que de completude duvidosa, como indica o excelente diálogo final. Assim, o filme que originalmente seria sobre o avô desaparecido há 40 anos torna-se um curta sobre um caso típico da crônica afetiva popular de meados do século passado, quando as vidas conturbadas por mentiras e traições dificilmente se reaprumavam depois. Autor do criativo e insólito Mato Alto, Arthur se posiciona entre os melhores curta-metragistas brasileiros a caminho do primeiro longa, que será de ficção.
Na competição internacional de curtas, as avós também estão em evidência, e já no título dos filmes. Em Fatima, a diretora Nina Khada parte de restos e indícios audiovisuais para rascunhar uma biografia da sua avó argelina. Já Carmen, do argentino Mariano Samengo, inventaria o vazio deixado na família pela morte de sua avó, a matriarca do clã. Nenhum dos dois filmes consegue acercar-se de um sentido mais amplo que justificasse a eleição da personagem fora do círculo familiar.
Caso mais perdido ainda é o do longa O Futebol. Radicado na Espanha, o realizador Sérgio Oksman, do ótimo Goodbye, America, aproveitou a Copa de 2014 em São Paulo para tentar uma convivência com o pai, de quem estava afastado há mais de 20 anos. O futebol, aparentemente, era o único laço que permanecia vigente entre os dois. O filme se faz de conversas vagas num carro, tomadas de observação distanciada do pai e longos tempos mortos que não se explicam num longa de apenas 67 minutos.
O tempo passa, marcado pela menção aos jogos, mas sem nenhum significado especial nem qualquer valor dramático. Um único – e grave – fato se dá, mas é tratado com a mesma frieza de mais uma partida de futebol. E eu fiquei com a impressão de que havia visto imagens e sons passarem pela tela, mas sem nada que indicasse a presença de um filme.