Paulo Lima resenha esse documentário sobre a insólita coleção de um ex-ministro georgiano.
O senhor das árvores
por Paulo Lima
Na Geórgia, a ex-república soviética, um ex-primeiro-ministro mantém um passatempo no mínimo insólito. Ele coleciona árvores centenárias, algumas com a altura de um prédio de 15 andares. Uma vez localizadas, as árvores são retiradas e transportadas para o jardim do ex-primeiro-ministro.
O documentário DOMANDO O JARDIM, uma produção de três países – Suíça, Geórgia, Alemanha -, dirigida por Salomé Jashi, uma cineasta georgiana, enfoca o processo de extração e transporte de algumas daquelas árvores.
Em lugarejos não identificados pelo filme, um grupo de trabalhadores enfrenta a árdua empreitada de desenraizamento do objeto de desejo do ex-primeiro-ministro. A remoção em si ocupa boa parte do tempo do filme. As dificuldades apresentadas e a complicada logística fornecem uma ideia da megalomania da ex-autoridade, que nunca é identificada. Suas motivações não são conhecidas. Mantém-se como uma eminência parda, com o poder de interferir no equilíbrio da paisagem.
Trata-se de uma ação degradadora. Para a retirada de uma árvore gigante, outras árvores menores precisam ser derrubadas. Segue-se também uma agressão ao solo. A atuação de guindastes e outros equipamentos pesados proporciona um espetáculo de terra arrasada. Uma broca perfura uma parede de rocha maciça, como se fosse uma toupeira metálica rasgando a terra.
Ouve-se os trabalhadores que se ocupam da retirada e transporte das árvores rirem do patrão: “E quando ele tiver todas as árvores? Então ele vai atrás de pássaros”. Todos enfrentam sua tarefa maquinalmente, sem exibir qualquer consciência da destruição que ajudam a perpetrar.
Os moradores do vilarejo a tudo assistem impassíveis, exceto por uma ou outra manifestação de tristeza pela árvore que deixará sua terra original. Outros mostram puro interesse material, uma vez que um preço é negociado por cada árvore retirada. Em algumas situações, faz-se necessária a melhoria de estradas para o transporte das árvores, benefício que acaba seduzindo alguns moradores.
O transporte das árvores se dá pelo mar, e um píer de pedra teve de ser construído para a ancoragem da balsa carregando a preciosa carga. Cada árvore pode pesar até mil toneladas.
Apesar do cenário de desolação, a diretora consegue captar beleza em algumas cenas. Numa delas, dois caminhões transportam uma árvore gigante no meio da noite. O resultado são imagens apocalípticas. Na mais bela e comovente cena do filme, um caminhão transporta uma árvore por uma pequena estrada. Logo atrás vêm os moradores do vilarejo, como num cortejo fúnebre. Algumas mulheres choram.
Se o ex-primeiro-ministro jamais dá as caras, podemos ver ao menos o seu jardim, uma área deslumbrante, de grande beleza paisagística. O impacto de sua dimensão nos leva a ponderar se não deveríamos redimir o ex-primeiro-ministro, ou se deveríamos criticá-lo por sua noção de preservação, que interfere no equilíbrio de florestas e na tradição, para cultivar um mero capricho extravagante.
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Paulo Lima