Dois filmes indicados ao Oscar de curta documentário
Uma mulher alta
O curta The Queen of Basketball (A Rainha do Basquete), de Ben Proudfoot, é tão simples quanto efetivo. É uma autobiografia compacta de Lucy Harris, uma gigante do basquete nos EUA dos anos 1970. Em falas diretas e simpáticas para uma câmera em close fechado no seu rosto, a senhora Lucy relembra sem qualquer afetação suas façanhas nas quadras, quando foi tri-campeã nacional, medalha de prata nas Olimpíadas e a primeira mulher a ser convocada pela masculiníssima NBA, a super liga do basquete.
Um material de arquivo usado de maneira vibrante vai ilustrando seu relato até o ponto em que uma revelação grave altera completamente o clima do filme. Só então compreendemos por que Lucy recusou o convite da NBA e passou à esfera do esquecimento. Quando o filme foi feito, pouca gente sabia dizer quem foi Lucy Harris. O quadro se abre e percebemos que a agilíssima jovem de quase dois metros de altura já não dispunha mais plenamente do seu corpo.
Antes mesmo que a indicação do curta fosse anunciada, Lucy faleceu em janeiro último, aos 66 anos. Ficaram a imagem de um sorriso farto, uma franqueza frontal e um laivo de tragicidade.
Imagino que esse curta não será o escolhido, mas se eu fosse votante do Oscar, meu voto iria para ele.
>> The Queen of Basketball pode ser visto no Youtube com a alternativa de acionar as legendas automáticas em português:
Retrato de classe
Jay Rosenblatt é um raro documentarista que só se expressa em curtas-metragens. Seus filmes quase sempre tratam de histórias de formação pessoal e do próprio fazer cinematográfico. Neste curta de 2021 ele se reporta a um incidente submerso em sua memória da infância, quando ele participou de um bullying coletivo a um colega de classe. Uma série de coincidências o leva a procurar remanescentes de sua turma e a professora, 50 anos depois, para recolher as memórias daquele fato.
Como é de praxe em tantos documentários em primeira pessoa, trata-se da expiação de uma culpa. Jay sai em busca de confrontar os ex-colegas com esse sentimento que ainda lhe incomoda. A gravidade do assunto, porém, se dissolve na linguagem empregada, de uma leveza e humor quase inadequados. A animação de fotos e found footage, mais alguns curtos depoimentos em voice over, suprem a ausência de encontros pessoais, ao mesmo tempo que conferem certa comicidade à empreitada.
A certa altura coloca-se a questão: procurar ou não a vítima do bullying? É quando o diretor faz sua opção mais contestável, apresentando supostas razões para apenas enviar uma carta. Ao fim e ao cabo, o enunciado de When We Were Bullies fica sendo mais interessante que o seu resultado na tela.
>> When We Were Bullies ainda não está acessível no Brasil.
>> Leia sobre os outros curtas indicados ao Oscar de documentário: Audible, Onde Eu Moro e Três Canções para Benazir.
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