O GOSTO AMARGO DA LIBERDADE (A BITTER TASTE OF FREEDOM)
de Marina Goldovskaya
Ainda em vida, Ana Politkovskaya era tida na Rússia como uma espécie de Madre Teresa, uma heroína do jornalismo investigativo. O filme de sua amiga Marina Goldovskaya não foge ao modelo da hagiografia, ainda que evite o elogio do martírio. Ana lutou pela causa dos refugiados e dos chechenos, cobriu a guerra de um ponto de vista emocional e – mesmo presa, vítima de uma tentativa de envenenamento e criticada por colegas mais “objetivos” – nunca deixou de pugnar pela queda de Vladimir Putin. Em outubro de 2006, foi assassinada na entrada do prédio onde morava. “As coisas não costumam terminar bem para os idealistas”, diz Mikhail Gorbachev, um dos entrevistados por Marina, ao concluir uma rápida mas valiosa análise histórica da Rússia desde a perestroika.
A amizade entre as duas permitiu que Marina a filmasse em momentos domésticos e familiares, em passeios com o cachorro, conversas sobre vida amorosa, viagens, etc. Daí emerge um perfil muito mais pessoal do que, por exemplo, no doc Ana, Sete Anos no Front, exibido no É Tudo Verdade de 2008 (leia resenha). O filme absorve trechos de outro doc de Marina sobre Ana, Um Gosto de Liberdade (1991), e uma retomada da “personagem” 10 anos depois. A vida pública da ativista permite à cineasta repassar eventos dramáticos como a guerra da Chechênia e os atentados terroristas da época.
No subtexto de O Gosto Amargo da Liberdade existe a identificação entre Marina e Ana, na medida em que ambas mexeram no vespeiro da política russa na transição do comunismo para a democracia. Mas o que garante sobriedade e efetividade ao filme é que Marina não cede ao sentimentalismo, nem adota uma postura de “dona” da personagem. O vínculo está nas entrelinhas de cenas tão íntimas quanto se pode compreender num documentário de firme cunho político.