ATERRO DO FLAMENGO
de Alessandra Bergamaschi
Numa manhã qualquer, um ponto do Parque do Flamengo se torna palco de uma cena inusitada. Um homem parece descansar deitado num dos equipamentos de ginástica do parque. As pessoas passam correndo, conduzindo seus cachorros ou fazendo seus exercícios físicos. Até que uma mulher resolve inspecionar de perto o corpo inerte. Outras pessoas começam a parar. Um estranho magnetismo atrai pessoas e olhares para o homem morto. Uns ficam por ali um momento e logo se vão. Outros começam uma espécie de vigília. Há mesmo os que se sentam ao lado do cadáver para exercitar os braços. Ionesco poderia assinar a cena.
Tudo é visto do alto de uma janela, com uma câmera fixa e microfones ligados unicamente no rumor do trânsito. Nem uma palavra, nenhum movimento na imagem. Andy Warhol fez filmes famosos assim, postando uma câmera, por exemplo, diante da entrada do Empire State Building durante seis horas e meia, ou bem diante de um homem dormindo por cinco horas e vinte. Mas enquanto Warhol investia no não-acontecimento, Alessandra Bergamaschi é movida por uma ocorrência macabra no cenário do mais singelo cotidiano urbano. O contraste é o que mais nos intriga ao contemplar esse registro e seu surdo potencial dramático. O distanciamento compulsório nos arregimenta como parte de um pequeno tratado sobre a curiosidade.