A proeminência que o cinema documental ganhou no Brasil neste início de século XXI — com volume de produção, diversidade de formatos, amplitude de circulação e presença cultural inéditas — não deve obstruir a sua longa e rica história desde a realização das primeiras filmagens no país. É possível fazer uma rápida genealogia através das diversas facetas que os documentaristas assumiram ao longo de um século.
Começamos pelos “Introdutores”, aqueles produtores-exibidores, em grande parte estrangeiros, e cinegrafistas dedicados à captação dos “naturais” ou “vistas” na primeira década do século XX. Tida como inferior aos “posados”, tocada por gente envolvida também com o jogo do bicho e a prostituição, essa produção era contudo mais regular e sujeita a grande concorrência. Seguiu-se a fase dos “Cavadores”, especialistas em filmes de encomenda para políticos, militares, industriais e comerciantes. O cinema servia então à constituição de uma burguesia agro-industrial ao longo dos anos 1910 e 1920, época em que também proliferaram os cinejornais.
O ciclo dos “Desbravadores” compreende os trabalhos de Silvino Santos e do Major Tomás Reis na Amazônia e Centro-Oeste, de Aníbal Requião e João Batista Groff no Paraná, e de Aristides Junqueira, Francisco de Almeida Fleming e Igino Bonfioli em Minas Gerais. A exploração não se restringia ao Brasil profundo, mas estendia-se também às cidades e à promoção de uma ideia de modernidade.
Com a Lei do Complemento Nacional e a criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo e do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, a década de 1930 pode ser considerada a dos “Educadores”. Toma-se o cinema como instrumento de educação cívica e cristalização de uma História oficial. Já nos anos 1940, registra-se uma evolução considerável dos filmes científicos, etnográficos e artísticos.
A era dos “Renovadores” começou na década de 1950 e se estendeu pela seguinte, quando os documentários brasileiros passaram a integrar procedimentos de encenação e, na mão contrária, a ficção ganhou fome de realidade. Abria-se o caminho para o Cinema Novo e o surgimento de uma geração que inclui Vladimir Carvalho, João Batista de Andrade, Leon Hirszman, Sylvio Back, Paulo César Saraceni, Arnaldo Jabor, Glauber Rocha, Geraldo Sarno, Maurice Capovilla, Aloysio Raulino e Jorge Bodanzky. A partir do fim dos anos 1960, entram em cena os “Questionadores”, que dessacralizaram a linguagem documental, exercitaram a metalinguagem e, como Arthur Omar e mais tarde Sérgio Bianchi, criticaram as bases do documentário oficial ou bem intencionado.
O processo de renovação seguiu em frente com os “Misturadores” dos anos 1970. A combinação de registros ficcionais e documentais num mesmo filme aparece no trabalho de diretores como João Batista de Andrade, Capovilla, Walter Lima Jr. e a dupla Bodanzky-Orlando Senna. Vale considerar, ainda, os flertes do Cinema Marginal com o documentário, aí incluídos filmes de Rogério Sganzerla, Ivan Cardoso, Elyseu Visconti e Andrea Tonacci.
A resistência à ditadura fomentou a ação dos documentaristas “Lutadores”, que captaram a voz da classe operária e dos movimentos sociais, denunciaram a repressão do regime militar e fizeram o elogio da democracia através da recuperação do passado histórico.
Já na década de 1980, os irmãos Walter e João Moreira Salles capitanearam o time dos “Encantadores”, com minisséries para TV e documentários musicais visualmente requintados, em que se via uma estética tributária da publicidade e do ensaio audiovisual. Foi a época também de uma febre de making-ofs e de um diálogo rico entre o documentário e a videoarte.
A fase de transição para o documentário contemporâneo se deu ao longo dos anos 1990, a partir de diversas experiências de radicalização e reflexividade. Gosto de citar Jorge Furtado (Esta não é a sua Vida), Sandra Werneck (Guerra dos Meninos), Walter Salles (Socorro Nobre), João Moreira Salles e Katia Lund (Notícias de uma Guerra Particular), Marcelo Masagão (Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos) e Eduardo Coutinho (Santo Forte) como autores de filmes que anteciparam as novas configurações do documentário no Brasil.
Bacana. Interpreta no Brasil os papéis que Erik Barnouw (Documentary – History of non-fiction film) elencou para os documentaristas na história mundial.
Bingo, Julio Wainer! Meu sonho era traduzir esse livro para o português e editá-lo aqui