Durante os seus primeiros 48 minutos, PIRIPKURA constrói lentamente uma expectativa para o que virá depois. Acompanhamos duas expedições do sertanista Jair Candor à procura de dois raros sobreviventes da nação Piripkura nas brenhas do Mato Grosso. São viagens penosas através da selva amazônica desde Rondônia, marcadas por noites sub chuva, longas esperas e uma dramática incerteza: Pacu e Tamandua ainda estariam vivos?
Os dois índios vivem sozinhos na mata desde sempre. A cada dois anos, a fim de garantir a demarcação das terras, a Funai manda uma expedição certificar-se de que eles ainda estão por lá. Não é fácil localizá-los através de vestígios deixados na floresta. A área protegida está cercada de fazendas e madeireiras ávidas por meter as máquinas na mata ainda virgem. A sobrevivência dos dois índios solitários é quase um milagre da natureza.
O encontro, enfim, supera tudo o que se esperava. Os dois homens, tio e sobrinho, subsistem num estado extremamente primitivo, com mínima possibilidade de comunicação externa, auxiliados somente por um facão, um machado e uma tocha de fogo – aliás, apagada já há alguns anos. Neles a rudeza convive com uma ternura marcante entre si e com os estranhos. Com eles Werner Herzog poderia reconstruir seu O Enigma de Kaspar Hauser.
Joel Pizzini, em 500 Almas, havia rastreado os vestígios da cultura guató, também no Mato Grosso. O documentário de Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge não tem a mesma pretensão, até porque trabalha com dados ainda mais rarefeitos. Limita-se a registrar a procura e alguns dias de rápida convivência. Mas basta essa atitude de interesse e persistência para gerar um filme de grande importância etnográfica. PIRIPKURA testemunha um trabalho de formiga e ao mesmo tempo de gigante que é o de indigenistas como Jair Candor em sua incansável tarefa de garantir a sobrevida dos últimos remanescentes de povos originários.
Quando nos despedimos de Pacu e Tamandua no final do filme, é como se víssemos desaparecer um pedaço do nosso mapa.
Belo texto Carlos. Trata-se um belíssimo documentário em sua simplicidade, com uma acuidade e um senso de observação gigantescos. Parece que encontramos uma parte essencial de nós naqueles dois índios. E dela também nos despedimos como você coloca em bela frase de encerramento. Filme essencial. Abçs
Sim, Roberto, não é um filme que possa passar em branco. Abração