As psicopatias americanas dão mais um bom fruto cinematográfico em FOXCATCHER. Dessa vez, estamos na área do mecenato esportivo, com base na história real do relacionamento entre o trilionário John Eleuthère Du Pont e dois irmãos campeões olímpicos de luta livre. A vida excêntrica de Du Pont daria pelo menos três filmes diferentes, mas essa parte com os irmãos Schultz é que selaria seu destino final. Du Pont foi um bre menino rico condenado a comprar tudo de que precisasse na vida, incluindo amizades e admiração. O discurso patriótico e a paixão pelo esporte serviam de fachada para um desejo patológico de reconhecimento e a autofalsificação como treinador. Não é muito diferente do que faz a vaidade corporativa dos patrocínios, embora sem os desdobramentos trágicos de Foxcatcher. Uma das maiores qualidades do filme de Bennett Miller é a discrição com que ele trata ingredientes tão condimentados, inclusive a pulsão homossexual latente em Du Pont. O silêncio é muito bem valorizado, dando lugar a uma narrativa seca e eminentemente visual, em que cada pequena virada causa o impacto dramático justo. Os três atores estão nada menos que perfeitos, com Steve Carrell quase irreconhecível sob uma maquiagem que inspira as expectativas mais funestas do público. A veneranda Vanessa Redgrave faz uma ponta pequena mas fundamental para a caracterização do filho John.
O super indicado O JOGO DA IMITAÇÃO me pareceu uma versão mais ou menos adulta daqueles filmes de garotos que se reúnem para descobrir um segredo: onde está o dinheiro guardado do vovô ou qual a mensagem secreta contida na lata de biscoito. Só que aqui os garotos são um grupo de brilhantes matemáticos britânicos. E o enigma é o código de comunicação dos nazistas durante a II Guerra Mundial. A dramaturgia, porém, é a mesma. Há as rivalidades finalmente superadas pelo espírito de equipe, a tenacidade do herói a princípio incompreendido, a moça que ousa penetrar no Clube do Bolinha, etc. Tudo cheira muito mais a fórmula que a veracidade histórica, além de soar confuso e insuficiente na exposição das teorias de Alan Turing e do uso efetivo que se fez da decifração do código alemão. O filme se projeta para a adolescência de Turing e para o pós-guerra a fim de situar sua homossexualidade, que lhe valeu um fim trágico por obra das leis homofóbicas da Inglaterra de então. Mesmo nesse aspecto, o elogiado roteiro de Graham Moore me pareceu esquemático e sem muita imaginação, limitando-se a um tímido elogio do “diferente”. Tampouco vi méritos suficientes que justifiquem as indicações de Benedict Cumberbatch e principalmente Keira Knightley aos Oscars. Quanto à trilha do prolífico Alexander Desplat, aprecio bem mais a que ele fez para “Invencível”, sem falar na magistral de “O Grande Hotel Budapeste”. O JOGO DA IMITAÇÃO é talvez o filme mais superestimado da safra.
AS FÉRIAS DO PEQUENO NICOLAU me deixou num dilema semelhante ao do garoto entre duas namoradinhas. Por um lado, o filme me soava antiquado, com muitas situações tolas e um apetite fantástico para tudo o que já foi visto no gênero da comédia familiar. Por outro, era tão agradável ver um filme “para todas as idades” que não apelasse à mitologia americana da competição, do heroísmo e dos efeitos especiais. À medida que o filme avançava, o ultrapassado ia adquirindo aos meus olhos uma espécie de frescor. O cinema francês ainda tem reservas de resistência à globalização do gosto, ou pelo menos se ocupa em preservar um certo repertório de referências europeias. O filme de Laurent Tirard é sobre amor, laços familiares, compaixão, ética e cinema. Acena a Tati, Cinecittà, “A Guerra dos Botões”… Se é melhor ou pior do que o primeiro, pouco me importa. Dei algumas boas risadas e tirei férias do alvoroço de videogame. Já valeu a pena.
Acabei de ler REPRODUÇÃO, de Bernardo Carvalho. Foi o terceiro livro do autor que encarei. O primeiro foi “Teatro”, que concluí a custo. O segundo, “Nove Noites”, abandonei no meio. Terminei “Reprodução” como quem atravessa um descampado sob o sol, louco para chegar do outro lado e dar aquilo por encerrado. Ratifico, então, meu problema com a literatura de Bernardo. Reconheço seu fôlego de ficcionista, assim como a qualidade técnica dos seus textos, mas simplesmente não consigo me conectar com seus temas ou seus personagens. “Reprodução” me deu novamente a sensação de estar perdendo tempo com coisas que absolutamente não me interessavam. Uma trama rala refratada numa cornucópia de microrrelatos e ruminações enfadonhas. Um texto baseado em redundâncias, que se seriam próprias da fala e do pensamento dos personagens se expressando em primeira pessoa, me deixaram bastante enjoado. Não suporto telefonemas mal escritos no cinema, quando as pessoas repetem em tom de pergunta o que o interlocutor teria falado do outro lado para que o espectador compreenda o diálogo. O livro é todo assim. E o que alguns viram como radiografia do nosso tempo me pareceu apenas reprodução, no sentido mais banal. Não quero tirar a razão de quem admira e respeita Bernardo, considerando-o um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos. Apenas, definitivamente, não nascemos um para o outro.
Caso consigas fazer mais uma tentativa, sugiro a leitura de “Filho da Mãe” de Bernardo Carvalho.
Se ainda me dispuser a isso, acolherei sua sugestão, Mônica. Muito grato.
Há escritores contemporâneos (nacionais e estrangeiros) bastante cultuados para os quais eu também não fui feito nem eles foram feitos para mim…
“O Jogo da imitação” me decepcionou pelos mesmos motivos apontados. Uma ótima história levada adiante com mais clichês do que criatividade. E a história eu já conhecia do desconhecido filme “Enigma”, de 2001, assinado por Michael Apted com Kate Winslet.
E viva “Foxcatcher”!