CHUPA QUE É CINEMA
Amor, Plástico e Barulho, longa de estreia de Renata Pinheiro corroteirizado por seu marido Sérgio Oliveira, faz uma crônica da cena da música brega em Recife. É uma sucessão quase ininterrupta de boas sequências socadinhas de humor, erotismo e insights sobre aquele ambiente em que amor rima com mel e sucesso não rima com esperança.
No centro do filme há um esboço de dramaturgia em torno de duas cantoras do brega: a superestrela Jacqueline Carvalho (Maeve Jinkings) e a “novata” Shelly (Nash Laila). A evolução do relacionamento entre as duas, da admiração à rivalidade e a outros desdobramentos, catalisa os demais elementos. Em boa parte, Amor, Plástico e Barulho é um ensaio etnográfico ficcional disfarçado, repartido em vinhetas deliciosas. O que faz o charme de tudo é a capacidade de síntese, a fuga à descrição óbvia e o talento empregado em cada elemento.
O cinema pernambucano vai mostrando que tem não só uma linguagem particular (este filme tangencia formatos de Cláudio Assis, Marcelo Gomes e Kleber Mendonça Filho) e uma temática obsessiva (o descartável da vida urbana em Recife), mas também um star system próprio, no qual Maeve e Nash são divas e Irandhir Santos é um astro.
Salta aos olhos, no filme de Renata, a visão carinhosa e ao mesmo tempo crítica que lança sobre a cena brega, sem fazer ironias nem alimentar preconceitos. O gosto com que os atores se lançam nos seus personagens chega intacto ao espectador. A cena em que Maeve chora cantando Chupa que é de uva foi a primeira a suscitar aplausos durante a projeção no Festival de Brasília de 2013, em que ela ganhou o prêmio de melhor atriz, Nash Laila o de atriz coadjuvante e Dani Vilela o de direção de arte.
CAMINHOS INESPERADOS
Tudo que Deus Criou é o primeiro longa de André da Costa Pinto e da maior parte de sua equipe, integrada por muitos alunos da Universidade Estadual da Paraíba. Mas não parece. O filme narra com apetite e quase sempre com precisão de tempo e tom uma história baseada em fatos. Para não estragar as muitas surpresas do roteiro, limito-me a enumerar alguns personagens: um bibliotecário viúvo com vida sexual clandestina, um jovem travesti que se prostitui às escondidas da família, um cunhado abjeto, uma jovem cega à procura de prazer, uma mulher sufocada por um casamento infeliz. A maneira como essas figuras vão interagir numa rede de afetos, violência e casualidades é a grande qualidade do trabalho. Mas não a única.
A câmera de João Carlos Beltrão tem um papel admirável na construção dos planos e na geração de sentidos adicionais através das escolhas de enquadramento. O elenco praticamente impecável inclui Paulo Vespúcio, Letícia Spiller (excelente como a cega cheia de amor pra dar), Guta Stresser, Maria Gladys, Paulo Philippe e Cláudio Jaborandy. A mescla de sordidez e ternura tem momentos de incrível beleza na medida em que as relações entre os personagens evoluem por caminhos inesperados. Um belo filme com lugar garantido entre os mais fortes do jovem cinema brasileiro.
otima resenha. parabens, abs canosa
Sempre bom te ver por aqui, Fabiano