Depois de tantos filmes sobre os Beatles e tudo o que os cercava, o que ainda pode restar de novidade para Ron Howard contar no documentário THE BEATLES – EIGHT DAYS A WEEK, lançado em setembro nos EUA e exibido no último Festival do Rio? Em termos de revelações, suponho que quase nada. O que distingue o filme é reviver a história dos quatro anos áureos da banda através das viagens e turnês – daí o subtítulo “The Touring Years”. Em dado momento, ouvimos Paul MacCartney dizer que era nas apresentações ao vivo, pelo mundo afora, que eles ganhavam dinheiro de verdade. Nos estúdios, o contrato lhes era muito desfavorável.
Ali estão, portanto, os anos de formação em Liverpool e logo as viagens consagradoras aos EUA, França, Japão, Austrália. A partir de certo ponto, eles só podiam tocar em estádios, tamanha era a procura por ingressos. No histórico show do Shea Stadium, em Nova York, havia 56.000 pessoas nas arquibancadas, um número espantoso para a época. É no deslocamento entre uma cidade e outra que o filme rememora a célebre histeria das fãs, os papéis do empresário Brian Epstein e do produtor George Martin, o jeito irreverente do quarteto lidar com a imprensa, a denúncia do apartheid e o escândalo causado pela declaração de John de que eles eram mais famosos do que Jesus Cristo.
Não há menções à vida pessoal de ninguém, a fatos mais polêmicos da convivência, nem a tudo o que aconteceu entre eles depois de 1966. Pode-se dizer que é um doc bem chapa branca, com uma pesquisa mais interessada em lidar inteligentemente com o imenso material de arquivo disponível. É admirável a edição de raros áudios dos rapazes em ensaios e gravações com fotografias dos respectivos momentos. Outra virtude é dispensar qualquer narração ou letreiro explicativo. Tudo é recontado por entrevistas de diversas épocas, fragmentos de áudio e poucos depoimentos atuais de Paul, Ringo e meia-dúzia de convidados. Um destes é Sigourney Weaver, que comenta a rápida tomada de Tv em que ela aparece, aos 15 aninhos, como mais uma garota encantada na plateia dos FabFour.
Em mais uma de suas viagens extremas, Werner Herzog ronda uma série de vulcões (alguns bem ativos) em seu novo filme, INTO THE INFERNO. Com ele viaja o simpático vulcanólogo Clive Oppenheimer, que Herzog conheceu na Antártida quando filmava “Encontros no Fim do Mundo” (2007). Para Clive, os vulcões são objeto de fascinação científica. Para Herzog, são algo mais metafísico: uma prova de que nada, nem o que chamamos de terra firme, é de fato firme ou permanente.
Ciência e magia, como de praxe em tantos filmes do diretor, estão mais uma vez na pauta. Numa aldeia de Vanuatu, na Oceania, eles testemunham a devoção ao vulcão local, onde supostamente residem os espíritos dos mortos. Na Coreia do Norte, Herzog coleta as fantasiosas associações do líder Kim Il-Sung com a montanha vulcânica Baekdu, berço mitológico da pátria. Na Indonésia, se a equipe tivesse ficado mais uma semana, poderia ter sido vítima de uma erupção mortífera. Na Etiópia, Herzog e Oppenheimer se demoram (além da conta, por sinal) observando o trabalho de paleontólogos na cata de fragmentos de ossos de hominídeos num esturricante deserto formado por erupções. Na Islândia, encontram vestígios de uma cidade ainda coberta de lava 40 anos depois da fúria de um vulcão.
O que, então, faz esse filme diferir de uma boa reportagem da National Geographic? Naturalmente, é o fator Herzog. O olhar sutilmente distanciado que ele lança aos rituais, crenças e mitificações dá conta de um autor ali por trás, mesmo que a forma não seja tão inquisitiva e surpreendente quanto em seus melhores filmes. Por vezes, como na Etiópia e na Coreia do Norte, ele se deixa levar pela oportunidade de explorar aspectos não diretamente ligados aos vulcões, e acaba nos presenteando com outras descobertas extraordinárias. Como a aldeia da Melanésia que cultua o lendário soldado americano John From, que caiu dos céus e prometeu um dia trazer fartura de consumo para os aldeões. Ou um compenetrado tour com guia pelos monumentos cívicos de Pyongyang.
Herzog já filmou vulcões em “La Soufrière” (1976) e “Encontros do Fim do Mundo”. Mas aqui ele tem a chance de explorar um material mais vasto de imagens estonteantes, que rivalizam com os poços de petróleo em chamas que ele eternizou em “Lições da Escuridão”. Wagner, corais gregorianos e outras músicas solenes contribuem para transformar os caldeirões e rios de lava em espetáculos épicos. “O que cultuamos também nos destrói”, diz o slogan do filme.
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