Comento aqui, à distância, três documentários exibidos esta semana na 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes
O QUE NOS OLHA é o novo documentário da paranaense Ana Johann. Ana sempre se insere, direta ou indiretamente, nos seus filmes, mas esse último é o seu mais confessional. Movida pelo impacto da separação depois de 20 anos de casamento, Ana voltou à pequena Cruz Machado, colônia polonesa onde nasceu e passou a infância. Era a segunda vez que filmava lá, depois do curta “De Tempos em Tempos” (2006).
“Por que estou sofrendo?”, ela se pergunta no início do filme. “A vida é, sim, movimento”, conclui na última sequência. Entre uma e outra frase, Ana fala de si e certamente se vê rebatida nas pessoas que entrevista. Há a jovem que sonha em sair da província sem saber bem para onde, nem para quê. Tem o jovem gay que ainda chora por um amor atropelado pelo destino. Há o homem maduro que não hesita em contar o quanto é infeliz no casamento. E também a colecionadora de botões que desistiu de amar de uma vez por todas.
No roteiro concebido juntamente com Aly Muritiba (“Para Minha Amada Morta”), essas conversas fluem sem pressa, sem sofreguidão por grandes revelações, interessada apenas na suave humanidade que brota de cada personagem. Perto do final, recebemos uma informação relevante sobre o lugar onde todas as entrevistas foram feitas. Vale como uma prova de que, embora possamos mudar de tempos em tempos, alguma coisa do que ficou para trás sempre segue conosco.
O documentário de observação é levado a um certo impasse em CORPO DELITO, de Pedro Rocha (sexta, 20h, no Cine-Tenda). Uma câmera quase sempre fixa acompanha o cotidiano de três amigos na Favela dos Índios, em Fortaleza. Todos estão à deriva, sem ocupação nem projeto de vida, e frequentam as bordas da criminalidade. O mais jovem se cura de um tiro na perna, outro entra na maioridade sustentado pela mãe. O personagem principal é o mais velho dos três: Ivan passou oito anos na cadeia e agora está no semi-aberto com tornozeleira eletrônica. Ele não se conforma com esta prisão dentro de casa. Há ainda uma mãe que visita o túmulo do filho, morto no crime.
O dispositivo armado para observá-los necessita de atos, fatos e relatos que aprofundem minimamente o conhecimento deles pelo espectador. O que vem, no entanto, é bem pouco se comparado com os longos trechos de silêncio, conversa fiada, festinhas e bailes. A atitude observacional está lá, com razoável acesso às intimidades, principalmente de Ivan e sua família, mas a colheita é parca.
O que de melhor se colhe, afinal, é um retrato da inércia juvenil na periferia. Imaginários ocupados pela violência e os fetiches de consumo. Além da simples estupidez que alimenta a superlotação dos presídios e a tragédia penitenciária brasileira.