Um teleférico no Nepal

Está começando hoje (sexta, 25) no Instituto Moreira Salles (Rio) a mostra Primeiros Encontros, trazendo 12 filmes produzidos de maneira independente em diversos países. A curadoria de Gustavo Beck procurou mapear “diferentes processos de produção, formas de pensar e de fazer cinema, explorando as fronteiras entre a ficção e o documentário ou a interrelação e os limites entre o cinema e as artes visuais”.

Os realizadores são pouco conhecidos entre nós, à exceção do suíço Daniel Schmidt e de Mati Diop, atriz de Cinco Doses de Rum, de Claire Denis, e que dirige seu primeiro longa, Mil Sóis. Veja aqui a programação.

Tive a oportunidade de ver previamente um dos filmes da mostra, o documentário Manakamana, uma experiência razoavelmente radical de filme etnográfico. Os diretores Pacho Velez e Stephanie Spray, ligados ao The Sensory Etnography Lab da Universidade de Harvard, filmaram uma série de travessias de um teleférico no Nepal. Eles se postaram na pequena cabine do teleférico e registraram, em tempo real e sem cortes, o comportamento dos passageiros que subiam a montanha em direção ao lendário templo da deusa hindu Manakamana ou faziam o percurso de volta. O filme é composto por 11 viagens, cada uma durando cerca de 10 minutos, o tempo de um rolo de filme 16mm.

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Nada além disso: passageiros em primeiro plano e a paisagem ao fundo. A primeira subida leva um senhor e um menino, que não trocam palavra. Viagem após viagem, os peregrinos vão ficando mais falantes. Há um casal levando um galo para sacrificar no templo, três metaleiros fazendo selfies, mãe filha se melando com um picolé, dois tocadores de sarangi (instrumento tradicional nepalês) ensaiando uma apresentação, duas turistas anglófonas e até um vagão transportando um punhado de cabras assustadas. A presença dos diretores não é jamais considerada explicitamente. Mas é claro que, à possível exceção das cabras, ela interfere no estado dos peregrinos, naturalmente intimidados pela situação. O objetivo dos realizadores, porém, não é flagrar nenhuma verdade sobre aquelas pessoas, mas simplesmente observá-las numa situação de trânsito.

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Durante a travessia, as vidas estão em suspenso. Ninguém se revela, nem diz nada de excepcional. As conversas são ralas e esparsas, quando ocorrem. De resto, o filme mostra como os passageiros silenciam e esperam. Um tempo morto para a vida, mas não para a observação da câmera. Muitos deles são pessoas habituadas a caminhar muito e falar pouco. Agora estão ali, sentadas a meio caminho entre o corriqueiro e o sagrado. O filme faz o que eu chamaria de etnografia do intervalo: o que acontece quando nada acontece?

Talvez a proposta se esgote um pouco no próprio dispositivo, mas a expectativa de cada novo par ou trio de passageiros e a singeleza dos comportamentos compensam cada minuto que passamos pendurados com eles entre as montanhas.

 

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