Que amor é esse? Que trem é esse?

Notas sobre os filmes 13 SENTIMENTOS e A ESTAÇÃO

Que amor é esse?

A certa altura de 13 Sentimentos, João, cineasta iniciante, diz que pretende fazer “um filme gay”. O amigo pergunta sobre o quê. “Não sei ainda” é a resposta. 13 Sentimentos, no fundo, é assim mesmo: um filme gay, ponto. O argumento gira como um parafuso folgado em torno de si mesmo: João escreve um roteiro que é exatamente aquilo que estamos vendo, mais um personagem imaginário. Ele vem de terminar um casamento de dez anos e, no vácuo da separação, se joga nos aplicativos em busca de outro namorado.

Daniel Ribeiro deixou boa impressão com seu longa anterior, o premiado Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, historinha de adolescentes, máquinas desejantes em rota de colisão. Em 13 Sentimentos ele demonstra o mesmo bom ouvido para os diálogos, a direção de atores muito precisa e uma simplicidade cativante na condução da mise-en-scène. Acrescenta uma camada meio bobinha de metalinguagem, uma vez que João vai escrevendo e reescrevendo o roteiro do seu filme enquanto nós o assistimos. As referências a séries fazem parte desse comentário “espertinho”.

João busca um novo amor e também um novo trabalho enquanto seu roteiro emperra na produtora. Insatisfeito com a edição de institucionais chatérrimos, acaba fazendo sucesso como cinegrafista de filmes pornôs amadores, a maioria de gays que o convidam para filmar suas curtições. Esse périplo dá margem a algumas cenas bem divertidas perante a lente de um João constrangido. São engraçados também os encontros de João com os amigues Alice e Chico, apesar de esquemáticos e funcionais como recurso dialógico.

A fluência geral do filme resulta numa experiência agradável, com um elenco afinadíssimo liderado por um Artur Volpi perfeito no papel de João. Eventualmente algumas verdades vêm à tona a respeito de relacionamentos e casais – e não apenas homossexuais. A cartela “baseado em sentimentos reais” pretende sublinhar esse aspecto de crônica de amores possíveis na “loteria” dos encontros contemporâneos.

>> 13 Sentimentos está em cartaz nos cinemas.

Que trem é esse?

Sofia caminha com sua bagagem por uma linha de trem deserta. Leva quase dois minutos para se aproximar da câmera e sentar-se para descansar. Já nesse primeiro plano de A Estação, o filme de Cristina Maure procura se filiar à corrente do slow film em preto e branco, onde se impõem nomes como o húngaro Béla Tarr e o filipino Lav Diaz. Quando Sofia finalmente chega à estação fictícia de Vila Clemência, descobre que está embarcando, isso sim, num pesadelo kafkiano.

Abelardo (Rodolfo Vaz), o agente da estação, lhe explica que não tem ideia de quando algum trem vai passar por ali e lhe oferece hospedagem numa pousada próxima. Outros passageiros estão hospedados ali, à espera de alguma coisa que já não sabem mais o que é. Beckett entenderia isso muito bem. Mas Sofia insiste, tenta em vão encontrar um caminho de evasão. Buñuel também entenderia.

Todas essas referências cultas acabam perdendo sentido pela incapacidade do filme de sustentar a atmosfera intrigante que lança na largada. As relações de Sofia com os demais hóspedes, assim como o perfil de cada um, são apenas rascunhadas e sugerem não mais que um punhado de excentricidades. O filme se torna invariavelmente sorumbático, moroso e temporalmente confuso. O atrativo principal é o capricho da fotografia de Luciana Baseggio.

O filme é uma coprodução com o Uruguai, país de nascimento da atriz e pesquisadora de Educação Somática Jimena Castiglioni, radicada em Belo Horizonte, que vive Sofia e participou do roteiro e da produção.     

Um substrato de realidade está por trás do argumento. Minas Gerais tem muitas estações abandonadas por conta da desativação de trechos de linhas férreas. Seria mais uma face da doce melancolia mineira, não fosse o teor de descaso que as mantém em ruínas. A Estação, porém, passa ao largo desse contexto em sua fabulação – enigmática, sem dúvida, mas vaga demais para constituir uma alegoria sobre as improbabilidades do destino.

>> A Estação está nos cinemas.

2 comentários sobre “Que amor é esse? Que trem é esse?

  1. Olá, tudo bem? Eu tenho uma página no Instagram chamada de @tomateverso, aí estava procurando alguém que queira fazer a crítica do filme ’13 Sentimentos’ e vi no Letterboxd que vc já assistiu. Caso queira colaborar com a minha página, os créditos do texto serão reservados para ti

    PS: estou deixando o meu e-mail e o @ do meu Instagram, entre em contato se tiver interesse.

    • Olá, como você vê, eu já publiquei minha crítica aqui no meu blog. Caso queira transcrevê-la na sua página, fique à vontade, desde que dê o crédito.

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