Festival do Rio 2023: Os Homens que Eu Tive

Uma mulher livre em 1973

Tereza Trautman tinha apenas 22 anos em 1973, quando marcou época como a primeira mulher a dirigir um longa-metragem no cinema moderno brasileiro. Um filme atrevido para a época de reacionarismo militar, a começar pelo título. Os Homens que Eu Tive invertia a noção de posse normalmente atribuída aos homens. Pity, a protagonista, era uma mulher de espírito livre que fazia sexo com quem lhe desse na telha, fosse com amor ou não. Eram tempos de pré-Aids, naturalmente.

Cinquenta anos depois, o filme volta em cópia restaurada na programação do Festival do Rio.

Leila Diniz foi a primeira opção para a personagem, mas morreu em 1972, ainda na fase de pré-produção. Darlene Glória viria a substituí-la, condensando mais uma imagem de mulher sensual e independente no cinema brasileiro. Pity mantém um casamento aberto com Dôde (Gracindo Jr.), a ponto de trazer para casa o amante Silvio (Gabriel Archanjo) para viverem a três. Mas mesmo essa fórmula não é capaz de atender  plenamente aos desejos de Pity, que acaba se apaixonando por Peter (Arduíno Colasanti), seu colega no ofício de montar filmes.

De casa em casa, de cama em cama e sempre insatisfeita, Pity acaba se mudando para uma comunidade hippie em Santa Teresa, onde vai transar novos relacionamentos. Sua bússola não é nenhum tipo de interesse além do prazer e de um hedonismo quase idealizado. Mas há também um impulso feminista que a leva a questionar as uniões de perfil conservador (como a da irmã infeliz vivida por Annik Malvil) e buscar o oposto dos valores patriarcais. “Sinto-me morta quando casada”, diz ela.

É significativo que, enquanto vivia com Dôde e Silvio na mesma casa, Pity era tratada como uma esposa quase convencional. Servia aos homens e, numa cena, era carregada de um quarto para o outro como se fosse um objeto. Ao final de sua busca, ela encontra Torres (Milton Moraes), um macho que não se importa de servir a ela, lavar as roupas, etc.

Esse comportamento levou a censura a proibir o filme durante sete anos e obrigar a diretora a mudar seu título para “Os Homens e Eu”. Pity era vista pelos censores como uma prostituta, já que não havia parâmetro para apreciar tamanho desejo de liberdade. A negação do casamento tradicional culminava com a decisão de Pity de não identificar o pai quando fica grávida. “O filho é meu”, afirma simplesmente.

A relativa superficialidade com que tudo é tratado faz de Os Homens que Eu Tive mais um manifesto do que um drama acabado. Reflete ideais de vanguarda do início dos anos 1970, quando o país vivia o sufocamento ditatorial. A cena em que Pity e Peter fazem amor sobre uma pilha de celuloide na sala de montagem parece uma metáfora de como Tereza via o potencial libertário do cinema.

Além disso, o filme é um delicioso retrato de época nos figurinos extravagantes, no uso afirmativo de cores vivas e na cenografia, especialmente da casa comunitária. A voz de Caetano Veloso na trilha musical adiciona mais uma pátina de petulância e um adeus às culpas: “Pra quê rimar amor e dor?”

09/10/2023 – Estação NET Rio 2 – 21:15
13/10/2023 – Caixa Cultural – 16:00
16/10/2023 – Estação NET Botafogo 1 – 14:00

>> Veja todas as minhas resenhas do Festival do Rio 2023

Deixe um comentário