Festival do Rio: “A Mulher que Fugiu” e “Encontros”

Recomendo a quem for ao festival algumas medidas essenciais: lembre-se de levar o seu comprovante de vacinação, que pode ser o certificado digital do ConecteSUS ou o comprovante em papel. Sem isso, a entrada nos cinemas não será permitida. Chegue de máscara e mantenha-a cobrindo o nariz e a boca durante todo o filme. Procure guardar o maior distanciamento possível entre as poltronas ocupadas.

Juntos no festival, dois filmes de Hong Sang-soo mostram até onde o diretor coreano pode chegar em termos de perspicácia (A MULHER QUE FUGIU) e inconsequência (ENCONTROS).

Pequena suíte para quatro mulheres

Quando pensávamos que Hong Sang-soo havia chegado ao osso da expressão cinematográfica, lá vem um novo filme dele ainda mais minimalista e essencialista. Em A Mulher que Fugiu (Domangchin yeoja / The Woman Who Ran), simplesmente presenciamos três conversas entre duas ou três mulheres cada, com algumas interrupções masculinas. Como nos filmes de Eric Rohmer, isso é bastante para nos sintonizar com camadas mais profundas das personagens.

O eixo de tudo é Gam-hee, interpretada por Kim Min-hee, companheira e atriz-fetiche do diretor. Ela é uma florista casada que vive grudada ao marido. Nas três conversas ela vai repetir que pela primeira vez em cinco anos está passando um dia sem ele. O marido saiu em curta viagem de negócios e ela aproveita para visitar três amigas. Em cada uma, Gam-hee verá uma alternativa diferente ao seu modo de vida.

A primeira, divorciada, diz-se incapaz de passar tanto tempo junto a um homem sem desfrutar de sua privacidade. A segunda é uma mulher dada a aventuras passageiras e a terceira é uma velha amiga que havia roubado o namorado de Gam-hee anos atrás e agora está casada com ele. Nada disso parece abalar sua relação com as amigas, mas é possível perceber, nas filigranas do subtexto, uma nódoa de insatisfação no espírito de Gam-hee. A “elegante” dissimulação dos sentimentos é uma prática das personagens de Hong Sang-soo.

Os homens só aparecem de costas, como ruídos no fluxo dessas conversações amáveis e de rumos surpreendentes. Durante a primeira visita, um vizinho vem reclamar da presença de gatos nas redondezas, mas o faz em nome de sua mulher. Na segunda, um rapaz com quem a amiga havia tido um encontro sexual fortuito reaparece para insistir na conquista. Na terceira, Gam-hee tem um desconfortável e hilariante reencontro com o ex-namorado.

O título pode aludir tanto a uma mulher citada numa das conversas, como à pequena fuga de Gam-hee nesses dias sem o marido. Assim o filme deixa um sutil comentário sobre relacionamentos, política sexual e diversidade feminina. Sem nenhuma ênfase, sem qualquer efeito a não ser o efeito de “verdade” propiciado pelos longos planos sem corte. Lá estão as repetições típicas do diretor com as frases recorrentes de Gam-hee, as referências à paisagem, as maçãs cortadas da mesma maneira em situações diferentes. E não faltam os zooms com que Sang-soo se permite “aquecer” de vez em quando a tomada. Nesse quesito, destaca-se a cena roubada por um gato, pura celebração das maravilhas do acaso numa filmagem.



Não mais que um rascunho de filme

De tanto avançar rumo ao tal osso da expressão cinematográfica, Hong Sang-soo chega a Encontros (Introduction), que eu só posso enxergar como um rascunho de filme. O título prosaico talvez pretenda justificar o pouco que ele tem a acrescentar a sua já extensa filmografia de interações excêntricas entre personagens comuns.

No caso aqui, temos um casal de namorados visto em três momentos no espaço de dois anos, sendo um deles possivelmente um sonho do rapaz. Ela deixa Seul e vai para Berlim estudar moda simplesmente porque gosta de roupas. Ele vai atrás para surpreendê-la. Dois anos mais tarde, nada é como eventualmente se esperava – se é que alguém esperava alguma coisa daqueles encontros rarefeitos.

Há ainda os pais dele, separados, e a mãe dela, cada um com planos para seus filhos. A mãe dele, agora ligada a um famoso ator que se tratava com seu ex-marido acupunturista, não compreende por que o garoto desistiu da carreira de ator por uma simplória questão moral. Isso é motivo para uma cena típica de Sang-soo: a discussão aditivada pelo álcool à mesa de um restaurante. É o melhor momento do filme.

A proverbial perícia do cineasta na direção de conversações não rendeu muito dessa vez. As cenas são deixadas ao léu, em troca de elipses esquisitas e trancos narrativos desajeitados. Extrair daí grandes reflexões sobre a juventude e as relações com os pais é um exercício de generosidade para com um filme menor de Sang-soo, em tamanho e importância.

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