O maestro e o monstro

Notas rápidas sobre MAESTRO e GODZILLA MINUS ONE

Both sides story

Assim como Priscilla, de Sofia Coppola, enfoca o casal Priscilla-Elvis Presley, Maestro trata do casal Leonard Bernstein-Felicia Montealegre. Mas o que dá as cartas aqui não é o conflito entre celebridade e romance. Todo o filme gira em torno de uma só questão: num contexto artístico relativamente permissivo, até onde vai a tolerância da família para com a bissexualidade do co-autor de West Side Story? A união com a atriz Felicia não cessou a atração de Leonard por rapazes, a ponto de quase ensaiarem uma vida a três.

Maestro procura lidar com essa “both sides story” da maneira mais adulta possível, ainda que isso custe infindáveis cenas de diálogo. Na direção, Bradley Cooper alterna momentos um tanto maçantes com outros de grande brilho formal. Entre esses últimos estão as transições entre vida e palco na primeira parte do filme, especialmente a performance alusiva ao musical On the Town, que põe em cena a ciranda da bissexualidade. Ou, mais ainda, a sequência arrebatadora em que Leonard rege a Sinfonia nº 2 de Mahler na Ely Cathedral, quando a atuação de Cooper no pódio deve ter deixado a Cate Blanchett de Tar com inveja.

Depois de Maestro e Nasce uma Estrela, Bradley Cooper já entrou para o panteão dos atores que se saem bem dirigindo-se a si mesmos em filmes desafiadores. Está junto a Orson Welles, Kenneth Branagh, Barbra Streisand e Laurence Olivier. Sua performance, assim como a de Carey Mulligan, é impecável, magistral mesmo, inclusive quando está sob a primorosa maquiagem de envelhecimento.

O filme, porém, me pareceu falado demais, rido demais e formulaico na maneira de “passar informações” sobre a carreira do maestro. Sustenta que Felicia era um eixo de normalidade na existência de Bernstein, sem o qual ele derivava para o vício e a promiscuidade. Pode ser, mas como saber qual parte da vida dele gerou as obras-primas que deixou?

>> Maestro está em cinemas e na Netflix.

O trauma que não termina

A II Guerra demorou muito a terminar na consciência japonesa. Houve não só os soldados que se recusaram a acreditar na derrota (como o tenente Onoda Hiroo), mas também o trauma nacional que se estendeu por mais de uma década. Foi nesse período que sugiu Godzilla, monstrificação do medo das armas nucleares.

Depois de mais de 30 aparições no cinema, o bichão está de volta na superprodução Godzilla Minus One.

Nesse filme de Takashi Yamazaki, Godzilla é coadjuvante. Quem está no centro é o soldado kamikaze Shikishima, tomado pela culpa por ter amarelado numa missão onde pereceram vários companheiros. Isso o leva a considerar que, mesmo depois de 1945, a guerra para ele ainda continuava. Era preciso pagar a penitência com um ato de heroísmo.

Apesar do desfecho jocoso e das críticas ao governo de então, o que temos é um melodrama militarista, marcado pelos ingredientes do fascismo à japonesa: a noção de honra, a disciplina, o respeito à autoridade. É o que torna o filme bastante antiquado, assim como um bocado de efeitos especiais obtidos com miniaturas.

Das quatro grandes sequências de ação, a única que me arrebatou foi o ataque de Godzilla a Tóquio, ao fim do qual a chuva negra remete diretamente a Hiroshima e Nagasaki. De resto, a imponência técnica e musical se soma à exacerbação irritante dos atores, típica de um certo cinema tradicional japonês.

>> Godzilla Minus One está nos cinemas.

2 comentários sobre “O maestro e o monstro

  1. Excelente o texto sobre Maestro. Entretanto julgo que Cate Blanchett de Tar é tudo o que Bradley Cooper jamais conseguirá ser. Ela parecia em perfeita sintonia com a música enquanto ele só apresenta surtos de exibicionismo. Sobre a “bissexualidade” do protagonista: o filme transforma isso num tema menor, quase anônimo.É interessante que a Netflix produza um filme em que muitos planos (enormes) não funcionam na televisão. Um filme oportunista para a temporada de premiações. E viva a prática de overacting!

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