Uma aldeia passa pano no estupro

TO KILL A TIGER, indicado ao Oscar de documentário

Os estupros de mulheres na Índia são uma epidemia nacional. Há poucos dias uma turista brasileira foi vítima de um estupro coletivo no estado de Jarkhand, o mesmo onde se passa o documentário To Kill a Tiger. Não foi esse o caso, mas, em sua maior parte, esse crimes são cometidos por homens conhecidos da vítima. Foi o que aconteceu com Kiran (pseudônimo), menina de 13 anos violentada, espancada e ameaçada por três rapazes numa aldeia do Nordeste do país em 2017. Um deles era seu primo. Contra todos os hábitos locais, a garota e seus pais decidiram denunciar, e o caso foi parar nos tribunais.

To Kill a Tiger acompanha o processo até o seu desfecho. Ainda que não tenha obtido permissão para filmar as sessões da corte, a equipe fez um ótimo trabalho de observação da luta de Ranjit, o pai, em busca de justiça. Missão nada fácil perante uma comunidade pressurosa em proteger sua “honra” da pior maneira possível: culpabilizando a vítima, defendendo os estupradores e pressionando para que tudo ficasse restrito aos limites da aldeia. Kiran deveria casar-se com um dos seus algozes para desfazer a “mancha” do estupro. E ponto final.

Ranjit chega a titubear em meio a zombarias, ameaças de morte e atitudes hostis dos aldeões para com sua família. Sucedem-se as argumentações de que a coesão da comunidade deveria estar acima dos direitos individuais – algo que se amolda às tradições conformistas do povo indiano. A própria equipe de filmagem é intimidada, uma vez que estaria contribuindo para manchar a imagem da aldeia. A diretora Nisha Pahuja interfere diversas vezes fora do quadro, fazendo perguntas e questionando algumas opiniões.

Todas as circunstâncias do caso só fazem elevar o valor da obstinação de Kiran e seus pais, auxiliados pelos jovens da Fundação Srijan de Direitos de Gênero. Além de revelar, muito habilmente, a mentalidade dominante na população local, o filme indicado ao Oscar de documentário constrói uma narrativa inspiradora sobre a necessidade de se denunciar e criminalizar a violência sexual. Casos como o de Kiran na Índia e o de Daniel Alves na Espanha são fundamentais para combater a cultura do estupro. Ainda que pareçam, a princípio, tão difíceis como matar um tigre sozinho.

>> To Kill a Tiger não tem data de lançamento prevista no Brasil.

Trailer em inglês:

Confira minhas resenhas dos outros indicados ao Oscar de longa documentário:
20 Dias de Mariupol
A Memória Infinita
As Quatro Filhas de Olfa
Bobi Wine, the People’s President

4 comentários sobre “Uma aldeia passa pano no estupro

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