Amores difíceis

Notas sobre os filmes A NATUREZA DO AMOR e O AMOR SANGRA

Lelouch foi à cama em Quebec

Enquanto assistia a A Natureza do Amor (Simple comme Sylvain), eu gostaria de ser mulher para melhor assimilar as curvas do pensamento de Sophia (Magalie Lépine Blondeau). Ela é uma professora de Filosofia que divide com o companheiro e os amigos uma vida cheia de conversas “inteligentes” e uma relação conjugal fria (dormem em quartos separados). Um belo dia, durante uma viagem providencial de Xavier (    Francis-William Rhéaume), ela se deixa encantar pelo charme rústico de Sylvain (Pierre-Yves Cardinal), o carpinteiro que vem fazer uma reforma no seu chalé.

O que se segue é o conhecido choque cultural, ao qual Sophia se submete por conta de uma paixão avassaladoramente sexual. A família de Sylvain é barulhenta e vulgar, eivada de estereótipos e preconceitos. Ela chega a colocar em xeque os valores de seu mundo. “Ele me trouxe de volta ao básico”, comenta com a amiga Françoise, interpretada pela diretora Monia Chokri.

Mas o que se iniciou em tonalidades róseas, que mais sugeriam um filme de Claude Lelouch (fotografia, edição, trilha sonora), gradualmente se torna supostamente mais complexo. De maneira um tanto óbvia, Sophia justifica a sinuosidade dos seus sentimentos com aulas sobre o amor segundo Platão, Schopenhauer, Spinoza, etc. O que seria a natureza do amor? Desejo sexual? Uma amizade especial? Identificação intelectual? A vontade de tornar o outro parecido consigo?

No fundo, essa dramédia romântica canadense pisa em terreno muito familiar: qual será, afinal, a escolha de Sophia entre dois mundos inconciliáveis? Embora eu tenha cedo percebido qual seria, o encaminhamento final me pareceu muito mal construído. Ou será que minha porção feminina não soube perceber os pontinhos entre A e B?

De qualquer forma, pode-se desfrutar de uma narrativa ágil, às vezes sedutora, e de uma química sensualíssima entre os dois amantes. Lelouch foi à cama em Quebec.

>> A Natureza do Amor está nos cinemas.


Trash de luxo no Novo México

Minha impressão é de que O Amor Sangra (Love Lies Bleeding) perdeu a oportunidade de limpar um pouco a barra do mundo do fisiculturismo. Mas a diretora Rose Glass não parece nem um pouco interessada nisso. Muito pelo contrário, afoga seu filme num banho de sangue, vômito e banalidades.

A academia gerenciada por Lou (Kristen Stewart) no Novo México, assim como o concurso de fisiculturismo ambientado em Las Vegas, são antros de gente bruta, espetacularidade muscular vazia e ligações com a criminalidade. Lou se enamora à primeira vista da membruda Jackie (a atriz e “artista marcial” Katy O’Brian). A primeira transa das duas mais parece uma sessão de submission wrestling. Nas seguintes, elas avançam em intimidades sexuais cada vez mais invasivas. Mas não custa a que o sexo seja substituído pela ultraviolência, uma vez que a família de Lou é um poço de crueldades. O pai (Ed Harris) é um traficante de armas, assassino contumaz e corruptor de policiais; o cunhado espanca a mulher um dia sim, um dia não.

A partir daí, o que temos é um ciclo de vinganças muito típico do cinema de exploitation estadunidense. A ligação amorosa entre as duas moças impulsiona a ferocidade de parte a parte. Elas precisam matar muita gente para continuar juntas – e nada disso soa heroico. Passo a passo, cadáver após cadáver, O Amor Sangra vai ficando cada vez mais trash. Os músculos de Jackie, dilatados por anabolizantes, inflam em efeitos especiais ridículos que caberiam melhor em O Exterminador do Futuro. A fantasia entra em cena canhestramente quando o roteiro não consegue achar solução melhor para o quiproquó dramático.

O trash é de luxo, convém dizer. Boa fotografia, técnica de qualidade, produção caprichada. Kristen Stewart tem uma performance elétrica, embora quem roube a cena sempre que aparece seja Daisy, a loura burra vivida por Anna Baryshnikov, filha do célebre bailarino Mikhail.

>> O Amor Sangra está nos cinemas.

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