Elas se amam – ontem e hoje

OLIVIA e MÃE+MÃE na plataforma Supo Mungam Plus

Dois filmes dirigidos por mulheres e disponíveis online dão mostras de como o tema do amor lésbico era tratado na era das interdições e como é abordado na atualidade.

Paixão no internato

Olivia foi feito em 1951 e se referia a algum ponto do século XIX. A jovem Olivia (Claire Olivia) acaba de chegar a um internato protestante e aristocrático no interior da França. Não demora a se encantar por uma das duas diretoras, a majestosa e sedutora Julie (Edwige Feuillère). Antes que Olivia, nós espectadores vamos percebendo a rede de fofocas, ciúmes e preferências que dividem as internas entre os carinhos de Julie e de Cara (Simone Simon), a outra diretora. Em sua adoração, Olivia se deixa levar pela manipuladora Julie, que administra sua própria interdição num jogo perverso com as alunas apaixonadas por ela.

Aos poucos, a alegre farândula das moças vai deixando entrever seus bastidores: uma tensão psicológica causada por rejeições e amores reprimidos num universo exclusivamente feminino. Os únicos homens a aparecerem no filme são três juristas, que em sua breve passagem estão quase sempre de costas. A sensualidade e as carências das mulheres (e não só das alunas) são direcionadas dentro desse círculo, mediante visitas noturnas, elogios ambíguos e substituições fetichistas. Numa sequência especialmente provocante, moças se travestem de rapazes para formar casais um baile de Natal.

A audácia desse filme para a época só não é maior que a de Senhoritas em Uniforme, de 1931. A história baseia-se num romance autobiográfico de Dorothy Bussy, lançado em 1950. Na direção, a pioneira Jacqueline Audry dá seguimento a seu cinema feminino, que então já contava com adaptações de livros de Collette (Gigi, A Ingênua Libertina) e da Condessa de Ségur (Os Desastres de Sofia). Eram todas personagens multidimensionais, mas nada foi tão atrevido quanto Olivia, especialmente porque não havia condenação nem punição por supostos desvios do padrão heterossexual. O isolamento de gênero podia ser apontado como parcialmente responsável pelos afetos surgidos na escola, mas estes eram retratados como autênticas manifestações de amor.

O aprendizado de Jacqueline Audry como assistente de Max Ophuls e Jean Dellanoy transparece na encenação algo floreada, que sublinha o caráter mimado das moças e o contraste entre os ambientes neoclássicos e as pulsões vividas pelas personagens. Puro “cinéma de qualité” francês. A fotografia de Christian Matras (A Grande Ilusão, Lola Montès, La Ronde) não é propriamente preto e branco, mas cinza e branco, servindo para conferir uma falsa suavidade que mal oculta a crueldade latente de Olivia.

Trailer legendado em inglês:


Mães perseverantes

Saltemos 67 anos desde a realização de Olivia e cerca de 160 desde o tempo de sua ação. Em 2018, a diretora italiana Karole di Tommaso decidiu contar a história mais importante da sua vida em seu primeiro longa-metragem. Ao longo de meses, sua companheira, a jornalista Alessia Arcolaci, fez várias tentativas de inseminação artificial para atender ao desejo das duas de ter um filho. Em Mãe + Mãe (Mamma + Mamma), Karole aparece numa ponta como a enfermeira encarregada do processo, enquanto é interpretada por Linda Caridi. Alessia é vivida por Maria Roveran.

As duas atrizes até conseguem passar a ligação forte entre as personagens e a perseverança no desejo maternal, mas o filme se perde em mil digressões que esvaziam quase toda a emoção pretendida pela diretora. Não contente com a simples exposição do caso – ou porque não havia tanto assim a expor –, Karole di Tommaso cria uma série de vinhetas irrealistas, oníricas ou apenas humorísticas que não surtem o efeito aparentemente desejado. Elas moram com um ex-namorado de Alessia (Andrea Tagliaferri), um parasita irritante e oco, que nos empurra para fora do filme sempre que entra em cena. Se havia a intenção de citar relacionamentos descolados (o rapaz agora namora uma moça negra), ficou-se aquém do rascunho.

Os melhores momentos, a meu ver, estão na visita de Karole à casa de sua família, numa piccola cidade do interior. São clichês da Itália profunda, sem dúvida, mas trazem um pouco de calor a um filme, de resto, muito raso e mal estruturado.

Trailer legendado em inglês:

 

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