Shyamalan em sua praia

TEMPO no streaming

M.Night Shyamalan talvez não seja um cineasta tão vulgar quanto parece porque sabe tirar proveito da vulgaridade. Revelação com o twist final de O Sexto Sentido, ele enfiou o pé na jaca das tramas escalafobéticas do tipo Sinais, A Dama da Água, Vidro e Fragmentado. De certa forma, é bom reencontrá-lo com um argumento relativamente coeso em Tempo (Old).

A origem é a graphic novel francesa Sandcastle (Castelo de Areia), de Pierre Oscar Levy e Frederik Peeters (2011). Uma família chega a um resort de luxo e é escolhida pelo gerente para desfrutar, com poucos outros hóspedes, de uma praia privativa isolada detrás de uma cadeia de rochedos. O lugar, tido como “uma anomalia natural”, rapidamente se transforma de paraíso em pesadelo. Cada 30 minutos passados ali faz as pessoas envelhecerem um ano. E não é possível escapar.

O próprio Shyamalan faz um papel sinistro como o chofer que os leva até a tal praia. Há certa crueldade na demolição do sonho de consumo familiar de gente rica e esnobe, mas qualquer leitura social sucumbe à pura excentricidade. Em quase 24 horas, as pessoas envelhecem mais de 40 anos, o que resulta em mortes, namoros, gravidez, parto e enlouquecimentos. O que poderia ocasionar uma reflexão grave ou mesmo poética sobre a relação das pessoas com o tempo e a existência (como em Sudoeste, de Eduardo Nunes, em que a protagonista vive uma vida inteira em um dia), aqui se presta somente a exasperações de danação e violência.

Os efeitos sobrenaturais da praia e das cavernas de acesso provocam não somente perturbações mentais, mas também distorções corporais que mais fazem rir que assustam. Shyamalan tem a mão pesada para dirigir os atores (incluindo Gael García Bernal e Rufus Sewell) e para conduzir a narrativa. A decupagem faz uma bagunça com os eixos visuais e as relações espaciais na praia, o que não pode ser justificado como pretexto para acirrar o estranhamento. É esquisitice mesmo.

Mais esquisito ainda é o desfecho explicativo nos minutos finais, envolvendo um certo ramo industrial e as razões da escolha dos hóspedes “privilegiados”. No entanto, é preciso dizer que, em meio a tanta bobagem e exageros de grand guignol, Tempo conseguiu me divertir moderadamente e me fazer imaginar o que essa história renderia nas mãos de um diretor menos trivial.

>> Tempo está nas plataformas Now, Google Play, Vivo Play, Oi Play, Youtube Movies, AppleTV e Sky,

Um comentário sobre “Shyamalan em sua praia

  1. Pingback: Privilégios indigestos | carmattos

Deixe um comentário