Oicídrepsed de filme

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Em 2008, Miguel Gomes realizou o superestimado Aquele Querido Mês de Agosto, crônica de um verão no campo português invadida pela metalinguagem. Era uma chatice só, mas caiu no gosto de parte da crítica e de júris de festivais por conta de um certo frescor na proposta. Doze anos depois, já em plena pandemia Covid-19, Miguel retorna parcialmente àquele universo com uma intenção ainda mais radical: fazer um filme sem personagens ou ações construídas previamente e narrá-lo de trás para frente. Assim, agosto vira “otsoga” e começamos pelo fim da não história.

Três amigos estão passando o lockdown numa fazenda, realizando tarefas comuns, como restaurar uma piscina, construir uma estufa para borboletas, lavar os cachorros. Nas horas vagas, jogam conversa fora, colhem frutas, dançam e flertam. Mas não estão sozinhos. Há a equipe também em cena, a cozinheira, a codiretora Maureen Fazendeiro que se afasta das filmagens por complicações da gravidez.

A ideia é que o filme flutue entre as micro-encenações e a sua feitura, com espaço para as discussões entre atores, técnicos e direção. Crista Alfaiate, por exemplo, reclama que o elenco está sendo solicitado a cumprir tarefas que não lhe cabem – ou seja, estão trabalhando de verdade, em vez de apenas interpretar seus personagens. O debate se estende de maneira artificial e óbvia sobre o que seria um filme sem propósitos convencionais. “Isso é que é desperdiçar filme”, diz alguém a certa altura, antecipando (ou tentando desmontar) uma crítica adequada a Diários de Otsoga.

O humor ao mesmo tempo apalermado e crítico de Miguel Gomes, que tão bem funcionou em Tabu e As Mil e uma Noites, comparece aqui muito esporadicamente e com pouco viço. A recorrência da imagem de marmelos em estado de crescente putrefação sugere uma natureza que passa de viva a morta, processo este que observamos no sentido inverso.

Alguma inspiração parece ter vindo do romance Férias de Agosto, de Cesare Pavese, citado de passagem. À falta de qualidade literária e de inspiração cinematográfica, ficamos apenas com um diletantismo estéril.

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