O que se deixa pelo caminho

VIDAS PASSADAS

O que mais surpreende – e eventualmente agrada – em Vidas Passadas (Past Lives) é a simplicidade com que é contada a história de um amor abortado em sua origem. A começar pela simetria temporal com que as coisas nos são mostradas.

Aos 12 anos de idade, Na Young e Hae Sung são amigos inseparáveis quando ela deixa Seul com a família rumo aos EUA. Doze anos mais tarde, eles se reencontram virtualmente com muita intensidade. Mas eis que Na Young – agora uma escritora atendendo pelo nome de Nora Moon – volta a lhes impor uma separação. Passam-se mais 12 anos até que Hae Sung vai a Nova York visitar Nora, já então casada com um escritor estadunidense. Ele tem uma namorada na Coreia, mas seu coração nunca deixou de bater pela Na Young de antes.

Tudo isso nos chega da maneira mais despretensiosa possível na concepção da diretora Celine Song. Não seria mera força de expressão dizer que já vimos histórias de amor como essa centenas de vezes no cinema. Ainda assim, Celine encontra veredas frescas para falar de afeto, escolhas, distância e destino.

O título diz respeito a uma crença do folclore coreano segundo a qual duas pessoas precisam acumular 8.000 camadas de In-Yun (vidas passadas) para então ficarem juntas. A relação de Na e Hae parece desafiar essa noção de destino, uma vez que tinham tudo para ficar juntos, mas no fundo são diferentes demais para isso. O que lhes resta, então, é trocar suposições sobre o que poderia ter sido e não foi.

A mudança de cenário cultural contribui para a impossibilidade do romance. Na/Nora se americaniza um pouco, embora não deixe de sonhar em coreano. Hae permanece ligado a suas raízes a ponto de mal balbuciar em inglês. Ou seja, o que constitui o destino senão o que a vida nos leva a experimentar, muitas vezes contra nossa vontade?

Os dois primeiros atos só não são banais pela veracidade com que os atores encarnam o prazer dos breves contatos e ao mesmo tempo o fatalismo que pressentem mas não verbalizam. No terceiro e último ato, Vidas Passadas ganha mais corpo com a visita de Hae a Nova York e o encontro com Nora e seu marido. É quando voltamos à cena do bar que abre o filme. Um momento doce-amargo que se estende até o plano final e nos confronta com emoções que muito de nós podemos ter vivido. Afinal, quanto deixamos pelo caminho para sermos o que hoje somos?

>> Vidas Passadas está nos cinemas. 

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