Afro-americanas em dramas familiares

A COR PÚRPURA nos cinemas e MIL E UM no streaming

Canto à sororidade

A Cor Púrpura (The Color Purple) é um exemplo de como se formam as dinastias artístico-industriais em Hollywood. Do romance de Alice Walker nasceu o belíssimo filme de Steven Spielberg, que por sua vez deu origem ao musical da Broadway – aliás, montado no Brasil em 2019. Agora nos chega uma adaptação cinematográfica do musical dirigida pelo africano (de Gana) Blitz Bazawule, o que não deixa de ser um salto em termos de representatividade. Alice Walker, Spielberg, Oprah Winfrey (intérprete da atrevida Sofia no filme de 1985) e Quincy Jones participam da produção. Whoopy Goldberg, a Celie do filme de Spielberg, faz uma rápida aparição como a parteira, enquanto Fantasia Barrino (Celie) e Danielle Brooks (Sofia, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante) retomam seus papéis em montagens da Broadway.

O resultado é um filme que repousa na memória afetiva da plateia, ao mesmo tempo em que procura se ajustar a novos paradigmas de percepção social. Se o drama pungente de Spielberg enfatizava o sofrimento das irmãs Celie e Nettie nas mãos de homens abusivos e violentos num Sul estadunidense dominado pelo machismo, o musical de Bazawule melhora um pouco o saldo do balanço: o peso maior vai para as diversas mulheres emancipadas que ajudam a libertar Celie e levantar sua auto-estima.

É significativo que a canção Hell, No! se repita no filme, sinalizando a recusa das mulheres à obediência, em conformidade com a atual palavra de ordem feminista “Não é Não”. A tecla da sororidade é insistentemente batida, a ponto de sugerir uma aproximação sexual entre Celie e a cantora libertária Shug Alley (Taraji P. Henson), um passo além do beijo de 1985.

Pretensas atualizações à parte, este A Cor Púrpura é um espetáculo classicamente competente, muito bem fotografado e interpretado. As coreografias energéticas de Fatima Robinson são simpáticas ao absorverem ofícios como os de lavadeiras, marceneiros e costureiras. Mas falta um pouco mais de alma para transcender o simples filme bem feito. Afora Hell, No!, nenhuma canção me pareceu memorável para além da receita típica de partituras gritadas da Broadway, além de acenarem a Deus com desmedida frequência. A música mais sugestiva acaba sendo Miss Celie’s Blues (Sister), de Quincy Jones, que vem do filme de Spielberg.

>> A Cor Púrpura está nos cinemas.



Melodrama no Harlem

Um melodrama situado no Harlem nova-iorquino em três épocas: 1994, 2001 e 2005. No pano de fundo, a cidade que tenta se livrar da violência e das drogas à medida que mudam os prefeitos: Rudy Guiliani, Michael Bloomberg. Mas a história de Mil e Um (A Thousand and One) se liga apenas tangencialmente a esse cenário.

Inez (Teyana Taylor) sai da prisão onde estava por roubo e procura o pequeno Teddy, que vivia com uma família adotiva. Sequestra-o durante a passagem por um hospital, consegue documentos falsos para ele com o nome de Daryl e passam a viver juntos. Inez reata com Lucky (William Catlett), também saído da prisão.

Terry/Daryl é um menino triste e retraído, que vê em Lucky a imagem do pai que não conheceu. Supera também a desconfiança de Inez, que ele pensava tê-lo abandonado aos dois anos de idade. A nova família segue aos trancos e barrancos por conta da infidelidade de Lucky e do desajuste de Terry, que gostaria de ser um novo Quincy Jones. Durona, Inez é o esteio, embora tampouco consiga realizar seu sonho de ser cabeleireira.

A cada salto no tempo correspondem mudanças sutis no comportamento dos personagens, mas sempre caminhando para a expectativa de um drama mais grave. Para isso concorrem doença, sabotagem dos novos donos do edifício onde moram e o risco de um segredo ser descoberto pela assistência social e pelo próprio Terry.

A paisagem do Harlem, filmada com tonalidades marcantes, perpassa o filme. Os diálogos são pontuados por pausas que dão uma sensação “confiável” aos personagens. Teyana tem uma atuação forte e marcante. O longa de estreia da diretora A.V. Rockwell se estende um pouco além do necessário, mas ganha corpo na meia hora final, quando a verdade central se revela.

>> Veja as plataformas onde assistir a Mil e Um

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