Como Spielberg descobriu o cinema e, com ele, a realidade

OS FABELMANS

Salvo engano, Os Fabelmans (The Fabelmans) é o único filme de Steven Spielberg inteiramente alheio ao grande espetáculo ou ao sobrenatural. Chego a pensar que ele estava fora do seu elemento ao lidar com um drama familiar puro e simples, uma história de formação. A sua formação como cineasta e talvez o primeiro choque de realidade da sua vida.

A família judaica dos Fabelmans (em vez de Spielbergs), vive mudando de cidade nos anos 1950 e 1960, conforme o pai engenheiro vai galgando melhores empregos. A primeira experiência do menino Sam com o cinema é traumática – como a de tantas crianças, entre as quais me incluo. Fiquei apavorado com a questão das escalas no filme O Pequeno Polegar aos quatro anos de idade. Esse susto inaugural costuma reverter em paixões fulminantes. É o que acontece com Sam, que passa a querer “controlar” a realidade domando-a com a câmera.

Assistimos, então, a uma versão possivelmente edulcorada do alvorecer do Spielberg cineasta adolescente na feitura dos seus primeiros curtas, Fighter Squad e Escape to Nowhere, com colegas escoteiros. As trucagens rudimentares dão a ideia de um gênio desabrochando.

Mas é justamente numa de suas filmagens que Sam percebe nas bordas da imagem, à moda de Blow-up, um segredo perturbador sobre sua mãe. Segredo este que mais tarde vai abalar a solidez da família.

Em paralelo, seguimos o florescimento da personalidade de Sam às voltas com o antissemitismo dos colegas de colégio na Califórnia e o namoro (engraçadíssimo) com uma garota fanática pela sensualidade de Jesus Cristo e, extensivamente, por rapazes judeus.

Em que pese a gravidade da questão que se coloca entre Sam e sua mãe, o tom geral adotado por Spielberg é de crônica leve, razoavelmente divertida e sem grandes dramas. O pai ultracompreensivo (Paul Dano) e a mãe forte nas decisões (Michelle Williams) tornam tudo mais superável na base do choro contido.

O caminho sempre se abre para Sam/Spielberg tocar adiante sua autobiografia, incluindo dois encontros fundamentais: com um tio que lhe recomenda separar arte e família, e com John Ford, que lhe ensina como lidar com o horizonte na tela. Trazer David Lynch para o papel do irascível Ford foi uma das melhores sacadas de Os Fabelmans.

Este não é um filme brilhante como tantos de Spielberg. Sempre correto e preciso na encenação, falta-lhe contudo a fagulha que costuma separá-lo de um cinema mais corriqueiro. Os Fabelmans se alonga desnecessariamente em várias cenas e veicula uma visão muito padronizada da vida estadunidense.

Leiam outras resenhas de indicados ao Oscar de melhor filme que já publiquei:
Os Banshees de Inisherin
Elvis
Nada de Novo no Front
Tár
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
Triângulo da Tristeza

 

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