Sylvio Back responde a Ely Azeredo

Mais por dever de ofício que por desejo de prolongar no blog uma discussão específica sobre este ou aquele filme, publico a seguir a resposta de Sylvio Back à citação de Ely Azeredo no post “O filme mais odiado da história“:

“O crítico Ely Azeredo que, em 1968, derramou-se no “Jornal do Brasil”, durante dois dias seguidos (!), em elogios ao meu longa-metragem de estreia, “Lance Maior”, agora não consegue esquecer “Rádio Auriverde”, às vésperas de seus vinte anos de realização, e novamente sendo exibido ao ensejo dos 65 anos do final da II Guerra Mundial. Uma inesperada homenagem que não poderia deixar passar em branco, pois, no mínimo é um atestado de longevidade do filme, a exemplo do próprio “Lance Maior”.

Principalmente, porque é público e notório que “Rádio Auriverde” atormenta Azeredo há duas décadas, seja pela crítica pessoal e rancorosa feita ao filme à época em “O Globo”, que lhe custou caro profissionalmente diante da minha resposta pertinente que o mesmo jornal publicou com destaque no dia seguinte; seja, porque Azeredo vinha em socorro ao filme “in pectore”, de cuja realização foi íntimo colaborador (era crítico-amanuense do Instituto Nacional do Cinema (INC), produtora da obra, “O Brasil na guerra, a FEB contra o nazifascismo”, de 1969, do grande cineasta e meu particular amigo, Jorge Ileli (que chegou a disponiblizar imagens do seu doc para “Rádio Auriverde”), mas cuja versão dos fatos, infelizmente, é nitidamente “chapa branca”, com roteiro formatado sob a inspiração do ditador da hora, o general Costa e Silva.

Um conjunto que, irremediavelmente, macula sua biografia de crítico e só engrandece meu pequeno doc sobre a FEB, jamais contestado por manipular ou deturpar a história, seu ponto de inflexão moral incontornável. Por sinal, Azeredo, chamando “Rádio Auriverde” de “antidoc”, curiosamente, faz sua a definição com que venho gravando meus filmes baseados em fatos históricos, mas que vão na contramão do chamado “cinema clientelista” (cf. a precisa definição do ensaísta e cineasta, Marc Ferro), hoje tão na moda e incensado no cinema brasileiro.

Vamos combinar: o filme assombra Azeredo de tal maneira que ainda recentemente, numa enquete da “Vejinha”, elencou “Rádio Auriverde” entre os “maiores equívocos” (?) do cinema brasileiro, alinhando-o (e a mim, ora direis), honrosamente junto aos belos cineastas (e os filmes amaldiçoados), Leon Hirzsmann e Glauber Rocha. O que é que eu quero mais?

Nagisa Oshima, o notável cineasta japonês, tem um pensamento lapidar sobre o fato de alguns filmes ou cenas deles jamais saírem da nossa cabeça ao longo dos tempos, para o bem e para o mal (carapuça que cabe direitinho em Ely Azeredo): quando uma imagem ou várias de um filme rondam permanentemete a nossa vida, mesmo que detalhes estejam ou fiquem esmaecidos, tipo diretor, ano de produção, nacionalidade, intérpretes, trama, etc., ele se torna imortal. O que é que eu quero mais para “Rádio Auriverde”?

Pretendia jamais retomar a defesa pública de “Rádio Auriverde”, cujas imagens históricas de arquivos nacionais, norte-americanos e ingleses, são indesmentíveis (não fui quem as filmou, eu tinha cinco anos), tanto quanto o conteúdo do discurso radiofônico que informa visualmente a tragicomédia da FEB na Itália, todo ele pinçado em testemunhos de ex-pracinhas, na literatura febiana e do próprio exército (mais de 400 livros estudados), por si só, cáusticos e implacáveis e indesmetíveis. E cheios de picardia e humor!

Mas, provocado pela tentativa de Ely Azeredo de chamar de volta a censura, hoje o país em plena democracia e liberdade de expressão ampla e irrestrita, além de seu texto, aqui reproduzido pelo crítico Carlos Alberto Mattos, embutir um também insuportável budum de xenofobia, isso me deixa tão perplexo quanto assustado.

Invocar a censura tachando “Rádio Auriverde” de “propaganda nazista”, além de atentar contra a inteligência do espectador, é de uma vesguice atroz, quase pornográfica, eu diria, pela desfaçatez e infâmia dos rasos e ralos argumentos expostos. Ora, Ely Azeredo, tome tento, respeite-se e respeite a minha biografia, minha obra, respeite os meus trinta e sete filmes e mais de setenta prêmios nacionais e internacionais.

E, mais, vislumbrar propaganda do reich pelo fato de “Rádio Auriverde” dar voz ao contraditório, ao dissenso, ao outro lado, dali, inclusive, extraindo humor e ironia, uma das marcas registradas da minha obra (assino um cinema moral!), é repicar impunemente o odioso viés xenófobo que ex-pracinhas gritavam (ameaçando agressão física) em Curitiba, e nos festivais de Brasília e Gramado na estréia do filme há vinte anos. Ali se tentou , demonizar o fato de eu ser natural de Blumenau (SC) e filho de uma alemã (coitado da dona Else…). Oh dor! Atenção, Ely Azeredo, nem todo alemão ou descendente (aliás, sou filho de judeu húngaro e de alemã ariana (hehehe) é nazista, ou vice-versa.

Assim, não precisa ser oriundi, nem é passaporte ao autoritarismo, pois quem está saudoso dos braços de aço da censura (mais uma vez, como já fizera no lançamento do filme no Rio de Janeiro), é o crítico Ely Azeredo, advertindo os telespectadores a se precavarem de suposta defesa da execrável ideologia nazista (a propósito: meus pais foram expulsos da Alemanha de Hitler em 1935), jamais em tempo algum subscrita ou insinuada em “Rádio Auriverde”. Para essa comprovação, é só assistir ao filme com olhos livres de viseiras e o coração aberto.

Cordialmente, Sylvio Back”

Um comentário sobre “Sylvio Back responde a Ely Azeredo

  1. Olá,

    peguei a conversa no meio do caminho, mas devo dizer que só aumentou a vontade de ver o filme.

    O debate é necessário e justo. Não falar, não debater, isso sim seria censura.

    Parabéns ao Carlos Alberto por abrir seu blog ao diálogo.

    O crítico tem o dever de se manifestar sem desrespeito.

    O cineasta tem o direito de responder… com respeito.

    Viva o diálogo, mesmo que com rusgas e vamos ao filme!

    Um abraço,

    Christian Jafas

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