Banquete diletante

O SABOR DA VIDA

Diante das notícias sobre a fome em Gaza, achei difícil me sintonizar com O Sabor da Vida (La Passion de Dodin Bouffant). Filme puramente diletante, sem a mais vaga conotação social, pretende narrar a história de amor entre um gourmet refinadíssimo de fins do século XIX e a cozinheira que trabalhava para ele há 20 anos. No decurso desse tempo, eles dividiram a mesa e a cama sem consolidar uma relação de casal. Até porque, como todos os personagens do filme, eles parecem viver somente em função de comer bem e ver os outros comerem.

Naquele castelo banhado pela luz do verão campestre francês, tudo gira em torno dos pratos. Nos primeiros 17 minutos do filme, só testemunhamos a minuciosa preparação de um banquete para Dodin Bouffant e seus amigos. O gestual da cozinha, a sucessão de cortes, molhos e acréscimo de ingredientes, assim como as frases de efeito sobre alta gastronomia, substituem as outras ações da vida. O amor, a amizade, o desenvolvimento pessoal da jovem aprendiz Pauline e até o luto se manifestam através da culinária e dos prazeres do paladar. A leitura de um menu requintado, com mais de dez pratos afora sobremesas e bebidas, tem o valor de um orgasmo coletivo.

Não há relações de classe em pauta. Nem qualquer referência ao mundo exterior além de um príncipe caricato que também oferece um banquete. O hui-clos desses burguesões empanturrados só me levou a pensar o que o Pasolini de Salò ou o Ferreri de A Comilança fariam com esse argumento.

Sem dúvida, a ação da cozinha e das mesas desperta interesse específico e eventualmente o apetite do espectador. A direção gastronômica é do chef vanguardista francês Pierre Gagnaire, que faz uma ponta como o chef do príncipe. Benoît Magimel e Juliette Binoche, que já foram casados, têm desempenhos muito elegantes e insinuantes como Dodin, “o Napoleão da culinária”, e sua amante-cozinheira Eugénie. Na direção, o vietnamita Tran Anh Hung (O Cheiro da Papaia Verde, Cyclo, As Luzes de um Verão) reitera seu gosto pela encenação fluente e apurada.

Atraentes ou não, as iguarias de O Sabor da Vida deixam uma impressão de vazio. Um alimento que pode encantar os olhos e a imaginação do paladar, mas não satisfaz a fome de uma boa história.

>> O Sabor da Vida está nos cinemas.          

            

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