Sobre “La Parle” e “The Lunchbox”

Dois Homens… Duas mulheres

Esse pequeno longa de 73 minutos tem como principal curiosidade o fato de ter nascido na residência artística Les Ateliers du Cinéma, promovida por Claude Lelouch na França. Quatro participantes resolveram partir para um filme juntos, sendo um deles a brasileira Gabriela Boeri. La Parle foi, portanto, escrito, dirigido e interpretado por Gabriela e os franceses Fanny Boldini, Kevin Vanstaen e Simon Boulier. A coprodução é franco-brasileira.

Filmado em preto e branco com os IPhones do quarteto, La Parle é um exercício de projeção de questões pessoais dos realizadores para a instância da dramaturgia. Uma dramaturgia frouxa, descompromissada com continuidade e exploração de conflitos.

Durante as férias, Gabriela, a brasileira, recebe os outros três numa casa na costa basca francesa, ponto de surfistas à procura da onda ideal (La Parle), que, diz a lenda, pode apontar caminhos para a vida. Fanny adia uma consulta médica importante para sua saúde; Kevin edita um curta que acabou de filmar com atuação de Simon, o qual, por sua vez, só pensa em se divertir; Gabriela fala ao telefone com a avó no Brasil. Eles se banham no mar, dançam, conversam sobre amor, doença, férias e família. Tudo muito diletante, no conteúdo como na forma.

Na montagem de Alice Furtado, a interação do quarteto ganha tanta importância quanto as tomadas da orla e do mar ao pôr do sol. A arrumação de certas cenas, ao som da trilha musical de Charles Tixier e Arthur Decloedt, parece evocar o clima de filmes de Lelouch como Um Homem… Uma Mulher e Viver por Viver.

No elenco, há um ligeiro destaque para o carisma de Fanny Boldini, que não é atriz. Ela “engole” as cenas em que aparece e se sai muito bem na desafiadora cena final, quando o preto e branco dá lugar a um happy end tudo azul.

>> La Parle está nos cinemas.



Nunca te vi, sempre comi tua marmita

O simpaticíssimo The Lunchbox (ou A Lancheira no Brasil) parte de uma hipótese rara: o sistema de entrega de marmitas de Mumbai cometer um equívoco. Os dabawallas (ou tiffinwallas) são famosos mundialmente pela eficiência. Consta que um endereço errado só ocorre em média uma vez a cada 8 milhões de entregas. Eu já tive oportunidade de observar e filmar sua atividade na estação de Churchgate (veja o vídeo aqui).

O filme de Ritesh Batra se vale de uma dessas exceções para fazer uma espécie de “Nunca te vi, sempre comi tua marmita”. O viúvo Saajan passa a receber as delícias que Ila, infeliz no casamento, prepara para seu marido. É preciso certa boa vontade para aceitar que o marido não estranhe o sabor e a embalagem que ele também passa a receber por engano – e que isso se estenda por tanto tempo. Mas a suspensão da credibilidade é compensada por uma deliciosa história de amor potencial.

Há ali ingredientes bem característicos do cinema “sério” indiano: os matrimônios fracassados mas mantidos em nome do conservadorismo familiar, o funcionário público que encarna o peso da burocracia, o alívio cômico representado pelo jovem funcionário que chega para substituí-lo, a importância da comida como fetiche erótico. Estamos distantes do modelo Bollywood, embora haja uma sutil referência a um dos seus mais famosos musicais, “Saajan”.

Na delicada trama de bilhetes enviados nas marmitas, fala-se muito da realidade indiana atual, geralmente através de textos inspirados e tocantes. Apesar de uma certa apatia e dos tempos muito estendidos do ator principal, o filme mantém bom ritmo e, dentro de uma estrutura previsível, oferece surpresas e algumas lacunas muito sugestivas. Como as marmitas, que parecem sempre iguais mas podem conter uma promessa de mudança e felicidade.

>> The Lunchbox está nas plataformas Youtube Movies, Google Play, AppleTV e ClaroTV+

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