Hollywood verborrágica

MANK na Netflix

Aconselha-se assistir a Mank com o Google aberto do lado para dar pausa a cada três minutos e consultar os nomes e as referências que pululam nos diálogos incessantes. A figura controversa do roteirista Herman J. Mankiewicz é somente um dispositivo para expor o que seria o funcionamento dos grandes estúdios de Hollywood nos anos 1930. Desde que se acredite que aquela gente falava sem parar, posando de inteligentes e cínicos o tempo inteiro, e permitissem a um bêbado discursar longamente no meio de um banquete de magnatas. Aqui estou parafraseando o próprio Mank, que assim ironizava seus pares: “Desde que se acredite que o King Kong tem 30 metros de altura e Mary Pickford seja virgem aos 40 anos”.

Mank é verborrágico, empostado, exibicionista… E sem alma. Tenta emular a dialogação ácida e bem-humorada que Herman costumava imprimir aos roteiros em que trabalhava, mas não vai além de enumerar citações, em boa parte cifradas. A ação salta entre 1940, quando Herman escreve o roteiro de Cidadão Kane com a perna quebrada e bebendo escondido, e os anos 1933 e 1934, quando se envolve com William Randolph Hearst e a disputa eleitoral na California. Foi preciso recorrer às rubricas de roteiro para situar o espectador entre os muitos flashbacks. O resultado é que os tempos não somam – apenas dispersam. Após duas longas horas de saturação verbal, saímos do filme sem pistas sobre a subjetividade de Mankiewicz, nem sobre a polêmica confecção do roteiro de Citizen Kane.Orson Welles (Tom Burke) aparece em apenas duas rápidas cenas, duas delas ao telefone. Isso demonstra o interesse em deslocar Mank desse célebre embate de autoria e fazer dele um personagem autônomo. Mas, novamente, é preciso pesquisar para saber como aquele talentoso e inconveniente crítico de cinema e “médico” de roteiros alheios adquiriu tanto prestígio quanto rejeições.

A direção de David Fincher é tecnicamente precisa, mas impessoal, repousando sobretudo na esplêndida fotografia monocromática de Erik Messerschmidt, na montagem lépida de Kirk Baxter, na luxuosa produção e na competência do elenco liderado por Gary Oldman (Mank), Amanda Seyfried (Marion) e Charles Dance (Hearst).

Um comentário sobre “Hollywood verborrágica

  1. Pingback: Todas as minhas resenhas do Oscar | carmattos

Deixe um comentário