É Tudo Verdade: Leonie, Atriz e Espiã

Exibição gratuita: Plataforma Looke, 18/04 às 15h00

Em Um Tigre de Papel, o cineasta colombiano Luis Ospina criou a figura do artista plástico Pedro Manrique Figueroa, pioneiro da colagem na Colômbia e cuja vida de aventuras era descrita no filme com materiais de arquivo e entrevistas encenadas. Era um mockumentary, valendo-se do suposto fato de que não existiriam registros claros do artista em pessoa. Pedro ganhou até verbete na Wikipedia como personagem fictício.

Não fosse o fato de Leonie Brandt ter realmente existido, Leonie, Atriz e Espiã (Leonie, actrice en spionne) poderia ser facilmente tomado como mais um mockumentary. Menos convincente do que Un Tigre de Papel, pois as peripécias contadas a partir dos diários de Leonie são de veracidade flagrantemente duvidosa. A garota alemã Gertrud Franziska Pütz, que contrabandeava informações no forro de uma jaqueta cruzando a fronteira com a Holanda durante a I Guerra Mundial, se tornaria mais tarde uma espiã profissional, uma agente dupla do serviço secreto dos dois países.

Ainda jovem, foi atriz de ralo sucesso com o pseudônimo de Leonie Reiman e chegou a fundar um grupo de teatro fracassado. Casada com um rico comerciante, passou a assinar Leonie Brandt e ingressou no serviço secreto holandês. Queria, então, “atuar no palco do mundo”. Consagrou-se como sagaz manipuladora de documentos e de homens.

A crer em seus escritos autobiográficos, foi presa pela Gestapo duas vezes e mais duas pela polícia holandesa. Passou por um campo de concentração e, depois da guerra, trabalhou no serviço de investigação da Holanda, quando foi denunciada por ter colaborado com os alemães. Terminou a vida em 1978, tentando manter um restaurante aberto e uma garrafa de bebida sempre ao alcance da mão.

A diretora Annette Apon contorna a indisponibilidade de imagens de Leonie com trechos de dezenas de filmes em que atrizes do cinema mudo e dos primórdios do sonoro vivem situações compatíveis com as descritas pela atriz-espiã. O recurso é imaginativo e bem realizado, mas, depois de certo tempo, cai na mera ilustração e torna-se cansativo. Em outro apoio narrativo, dois atores dramatizam uma conversa havida em 1995 entre um pequisador e o advogado de Leonie, de cujos diários uma atriz lê algumas entradas.

Esse arcabouço não parece suficiente para engendrar um retrato realmente fascinante de Leonie Brandt. Há um excesso de personagens citados e fatos obscuros da história holandesa que nos chegam de maneira apenas cifrada. O documentário acaba valendo como um exercício de agenciamento de antigas imagens de cinema, mas falha em nos conectar com uma personagem de história inconsistente.

Acrescento aqui uma reflexão do amigo e colaborador do blog Paulo Lima: “O que também me ocorreu pensar é se essa espécie de indefinição do retrato da espiã não refletiria exatamente o fato de ser espiã – ou seja, alguém que, por força do seu ‘ofício’, necessita transitar num vácuo biográfico”.

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