Conto de verão

A VIRGEM DE AGOSTO no streaming

Eva tem 33 anos e está à deriva. Em agosto de 2018, ela resolve se colocar na contramão da maioria dos seus conterrâneos. Em vez de fugir do calor para locais mais frescos, prefere ficar em Madri num apartamento emprestado. Sai pela cidade ao léu, observando-a como se fosse estrangeira. Diverte-se com a diversão dos turistas, flana pelas festas religiosas dessa época, tem uma série de encontros – alguns casuais, outros nem tanto – com velhos amigos e totais desconhecidos, com quem envereda pelas noites de balada. Como todos eles, o espectador também se pergunta: afinal, o que quer Eva?

Jonás Trueba (filho do célebre diretor Fernando Trueba) conduz esse conto de verão com uma aparente despretensão no que diz respeito à trama. “Os filmes muitas vezes se apegam tanto à trama que esquecem a vida”, disse ele mais ou menos assim numa entrevista. A Virgem de Agosto (La Virgen de Agosto) procura se sintonizar com o espírito “esvaziado” e inquisidor de Eva, interpretada com espantosa autenticidade pela atriz Itsaso Arana, co-autora do roteiro com Trueba. É de se supor que Eva tem muito da personalidade de Itsaso, dada a forma como ela se comporta diante da câmera.

Ao mesmo tempo, os créditos do filme acusam influências de várias leituras, incluindo o filósofo estadunidense Ralph Waldo Emerson e Noites Brancas de Dostoievski. Não é difícil identificar, ainda, influxos do cinema de José Luís Guerín (especialmente Na Cidade de Sylvia) e dos contos cinematográficos de Eric Rohmer. Vale lembrar que o filme foi indicado ao prêmio César de melhor filme estrangeiro em 2019.

Passo a passo, encontro a encontro, vamos começando a perceber qual é a busca de Eva, essa “virgem” que acorda a cada dia como se estivesse começando tudo de novo. E aqui, mais uma vez, vem à tona a questão da maternidade, que já me parece um dos temas dominantes no cinema contemporâneo. Se os encontros com homens colocam a protagonista diante dos dilemas do romance, as conversas com amigas sempre abrangem o desejo, a recusa ou a incerteza quanto a ser mãe.

Apesar de soar às vezes um pouco diletante demais, A Virgem de Agosto cativa quem aprecia longas conversas na linha turva entre o escrito e o improvisado. Um passeio inusitado pela Madri estival, passando pela Noite de São Lourenço, também soma para o encanto sutil do filme – e das coisas que chegam inesperadamente e não avisam para onde vão.

>> A Virgem de Agosto está na plataforma Filmicca.

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