O amor nos tempos da epidemia

OS PRIMEIROS SOLDADOS no streaming                              

Uma tristeza profunda, quando não o espectro da morte, frequenta os filmes de Rodrigo de Oliveira. Por trás do jazz de As Horas Vulgares ou dos mitos entrelaçados em Teobaldo Morto, Romeu Exilado estava a sombra de alguma tragédia íntima, levada com certa dose de estoicismo. Os Primeiros Soldados é o ápice desse cinema soturno com sua crônica de um grupo LGBT de Vitória no início da epidemia de HIV.

Entre o Réveillon de 1983 e o de 1984, três amigos vivem as primeiras investidas do vírus. São os primeiros soldados, aqueles que “sofrem de uma coragem de que ninguém nunca vai lembrar”, como é dito no prólogo alegórico do filme. Suzano (Johnny Massaro), Rose (Renata Carvalho) e Humberto (Vitor Camilo) assistem ao avanço dos sarcomas e enfrentam o medo do abandono, o pavor alheio do contágio e as perguntas que ninguém ainda sabia responder minimamente sobre aquela doença mortífera que se abatia principalmente sobre gays.

Uma cadeia de afeto os une a partir das noitadas e performances na boate Genet. Em algum ponto de 1983, os três desaparecem de vista. Conheceremos o seu destino através de uma série de filmagens de Humberto, o que constitui a parte mais intensa e bem composta do longa. Quando estamos completamente envolvidos com esses flashbacks, eis que de repente, num esplêndido golpe de roteiro, Rodrigo nos atira de volta à narrativa principal.

Os Primeiros Soldados, vencedor do Prêmio Carlos Reichenbach na Mostra Olhos Livres em Tiradentes, é um filme realizado com evidente carinho por seus personagens e com o cuidado formal de um diretor no pleno domínio de sua linguagem. Mesmo quando o ritmo parece distender-se um pouco além do necessário, há uma corrente emocional subterrânea que nos mantém conectados. O trabalho de direção é especialmente feliz com Johnny e Renata, cujas atuações conseguem nos magnetizar irremediavelmente. Mas não fica muito atrás o resto do elenco, onde se destacam Clara Choveaux como a irmã de Suzano e Alex Binini como seu sobrinho, ligações afetivas que nos ajudam a compreender esse personagem febril. Cito ainda a importância dramática de um personagem ausente, que é o marido francês com quem Suzano vivia em Paris antes de voltar doente ao Brasil.

Sem pretender comparação, vi nesse filme um possível resquício de influência do magnífico 120 Batimentos por Minuto, do francês Robin Campillo. É certo que não se fala em ativismo no filme capixaba, mas fala-se da busca de um entendimento mais transcendente da Aids e da sobrevivência do amor. Afinal, com toda a tristeza daquele momento, dava ou não pra ser feliz?

>> Os Primeiros Soldados está nas plataformas ClaroTV e Vivo Play.

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