Encontro de Cinema Negro abre com filme do Djibuti

Zózimo Bulbul

Em 2007, antes que o cinema negro se tornasse um hit em qualquer mostra ou festival, o ator e diretor Zózimo Bulbul (1937-2013) criou no Rio de Janeiro o I Encontro de Cinema Negro, que depois ganharia seu nome. A partir de 2014, o evento passou a ter curadoria de Joel Zito Araújo, depois dividida com Janaína Oliveira. Ao chegar a sua 15ª edição, de 18 a 24 de outubro, com equipe de curadoria liderada por Biza Vianna, é o mais completo panorama da filmografia africana e afrodiaspórica a se oferecer no Brasil.

“Os 15 anos do Encontro de Cinema Negro serão uma grande celebração, mas principalmente a divulgação de uma ação política que demonstra o êxito de resistência e luta desde sua criação por Zózimo Bulbul, que fez do Encontro de Cinema Negro um projeto de vida orgânico que nasceu naturalmente”, observa Biza Vianna. “São 15 anos para trás e 15 para frente, o que chamo de olhar para fora, pois ainda não se sabe o que nos aguarda nos próximos anos. Este evento é fruto de muitas conquistas, mas também de muitas frustrações em decorrência da invisibilidade da cultura negra na sociedade brasileira e da falta de espaço para o protagonismo negro em todos os segmentos do audiovisual, gerados pelo racismo estrutural que ainda vivemos em nosso país”, completa.

Este ano, as telas do Odeon, Centro Cultural da Justiça Federal, Estação Net Rio e Estação Botafogo receberão 150 filmes, entre longas, médias e curtas, nacionais e internacionais, de diversos eixos narrativos. Serão filmes com temáticas Queer, Masculinidades Negras, Olhares sobre infâncias negras e Meio Ambiente & Subjetividades, entre outros. Desses, 46 selecionados foram dirigidos por mulheres e dez por pessoas queer. Haverá também masterclass, debates, pitching e lançamento do livro Empoderadas – Narrativas Incontidas do Audiovisual Brasileiro, de Renata Martins.

Eu já tive oportunidade de assistir ao filme de abertura, A Mulher do Coveiro (Guled & Nasra), vencedor do Fespaco – o maior festival de cinema pan-africano – e indicado pelo Djibuti para concorrer a uma vaga no Oscar. Com participações de Finlândia, Alemanha e França na produção, o longa do diretor Khadar Ayderus Ahmed (somali radicado na Finlândia) tem um acabamento esmerado para contar uma história das mais dramáticas.

Levando vida muito pobre na periferia da capital do Djibuti, Guled (Oma Abdi) integra um grupo de coveiros que fica nas proximidades de um hospital à espera de cadáveres para enterrar. Nasra, sua mulher (a top model somali-canadense Yasmin Warsame), tem uma doença renal grave e precisa fazer uma cirurgia de alto custo financeiro. O filme se desenvolve, então, nas tentativas desesperadas de Guled em conseguir o dinheiro.

Há uma ênfase muito grande na exposição da miséria e das dores físicas do casal. Enquanto a mulher agoniza em casa, o marido faz uma longa e penosa viagem a pé em busca de recursos junto a sua família distante. A dramaturgia se polariza entre a indiferença de alguns e a solidariedade de outros. Ao mundo dos adultos se contrapõe o universo lúdico das crianças, entre elas o filho de Guled e Nasra (o expressivo menino Kadar Abdoul-Aziz Ibrahim).

Apesar de fincado no território e nos costumes africanos, A Mulher do Coveiro se ressente um pouco do olhar semi-estrangeiro que confere à África uma imagem marcada apenas pelo sofrimento e os bons sentimentos que afloram aqui e ali. Talvez esteja aí um ponto a ser discutido em um dos debates do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul.

Deixe um comentário